EMOÇÃO: FENÔMENO NO CORPO
17/01/2014 13:01
Mesmo que seja verdadeiro que o aprendizado e a cultura alterem a expressão das emoções no Homem e lhes confiram novos significados, as emoções são fenômenos determinados biologicamente, dependem de mecanismos mentais estabelecidos de modo inato e assentados em uma longa história evolutiva. Os mecanismos que resultam nas emoções são acionados automaticamente, sem reflexão consciente. A variação individual considerável e o fato que as culturas têm um papel na configuração de alguns indutores de emoções, não impedem que elas tenham uma natureza fundamentalmente idêntica em todos os povos e se desencadeiem de modo automático. Por exemplo, o medo que um haitiano crente no vodu sente ao deparar-se com um boneco atravessado por um estilete que lembre a sua aparência (e que não traria qualquer reação emocional num classe média brasileiro) é o mesmo que este sentiria se receber pelo correio um envelope de papel contendo uma intimação da Receita Federal. Nos dois casos, a cultura apenas determinou o objeto emocionalmente competente.
As emoções se estabelecem no nosso corpo como posseiras e ao self –
totalidade do nosso Eu – se impõe o mesmo dilema que o mortal perante a esfinge – “Decifra-me ou te devoro”. Ao self só resta compreendê-las e tirar delas o melhor proveito. Àquelas que nos fazem sofrer, procurar o melhor meio de atenuá-las e às boas, gozá-las. Não adianta tentar modificar uma emoção por meio da simples vontade, será necessário um trabalho contínuo que abordaremos futuramente.
A compreensão que as emoções alteram profundamente o funcionamento do corpo é condição para que a pessoa possa compreender-se e guiar-se no emaranhado de suposições que passa a fazer quando está emocionado negativamente, ou mesmo positivamente. As emoções usam todo o corpo como teatro, desde os músculos esqueléticos, como também as vísceras, em particular o coração, o tubo digestivo e também a pele. O meio interno, os hormônios e inúmeros circuitos cerebrais estão modificados. A pessoa, no caso das emoções que se estendem no tempo, se sente profundamente modificada e, basicamente, vai atribuir o que sente às alterações de mau funcionamento do próprio corpo, ou melhor, sua suposição inicial a maioria das vezes, é que ficou doente. Por mais que a Psicologia, a Psicanálise, tenham mostrado a importância da mente nos processos corporais ou somáticos, e até se tenha postulado uma nova ciência – a Medicina Psicossomática – na verdade, não é assim que a banda toca.
Descartes subscreveu, em 1637, que corpo é corpo e alma é alma. Pensamento que domina o establishment médico até nossos dias. Se o médico não encontra um substrato material – vale dizer, uma infecção, um tumor ou uma oclusão no fluxo de alguma coisa no seu corpo – você vai ser, discretamente, reclassificado de paciente para píssico e redirecionado a um psiquiatra, psicólogo ou psicanalista, isto é, para um outro departamento para tratar de uma coisa menos substancial, que é a mente.
Descartes fez uma separação radical entre corpo e mente, entre a substância corporal infinitamente divisível, que ocupa lugar no espaço, tem peso e que é claro, sai nas radiografias, tomografias, ressonâncias e podem ser medidas em suas menores ou maiores concentrações nos líquidos corporais através de exames; e, a substância mental, que não ocupa lugar no espaço, não é divisível e, portanto, não deixa suas pegadas nos exames. Vejamos as palavras de Descartes: -
... “Por isto, eu soube que era uma substância cuja essência integral é pensar, que não havia necessidade de um lugar para a existência desta substância e que ela não depende de algo material. Então, esse Eu, quer dizer a alma por meio da qual sou o que sou, distingue-se completamente e é ainda mais fácil de conhecer do que este último; e ainda que não houvesse corpo, a alma não deixaria de ser o que é.”
A idéia de uma mente desencarnada moldou, também, a forma peculiar como a medicina ocidental aborda o estudo e o tratamento das doenças. É até curioso concluir o quanto Descartes contribuiu para a alteração do rumo da Medicina, vale dizer, como o Homem ocidental encara a doença, ajudando-o a abandonar a abordagem orgânica da mente no corpo que predominou desde Hipócrates até o Renascimento. Até aí, as doenças, inclusive as mentais, eram provenientes do desequilíbrio entre os humores corporais. Melancolia, por exemplo, era o excesso da bile negra no organismo.
Se você está negativamente emocionado seu corpo, também, está negativamente regulado. Se você está passando por um estresse na sua vida, todo o seu corpo está sofrendo um reajuste em seus parâmetros regulatórios. A pressão doze por oito e o pulso próximo de setenta são parâmetros de um indivíduo tranqüilo e em repouso. Basta o telefone tocar e estes números não valem mais. Se você toma um susto, a regulagem é outra. As situações de estresse se parecem a um susto atrás do outro. Basta isso para sua pressão ficar em dezessete ou dezoito e seu pulso aproximar-se de cem que, pode perfeitamente, deixar você muito preocupado com seu coração que, neste caso, está funcionando muito bem.