A ÂNSIA INSTINTIVA DE CONHECER
Podemos distinguir, nos seres humanos, uma ânsia instintiva de conhecer: o saber pelo prazer de saber. Mas, foi esta pulsão que no nosso início como espécie, lá na árida savana africana, nos possibilitou a sobrevivência. Desarmados, naturalmente que somos, vivendo num mundo hostil povoado de predadores ferozes e bem adaptados com o ambiente, foi a nossa ânsia de conhecer que nos deu a maestria sobre a natureza e fez que a puséssemos a trabalhar a nosso favor. Interpusemos as técnicas incipientes, como a do machado de pedra, as lâminas de sílex, à força bruta, a dentes enormes e afiados. Vencemos, crescemos e nos multiplicamos, graças ao intelecto. Hoje, somos os senhores incontestes do mundo e temos como vassalos todas as outras criaturas.
No início do Século XX, pretensiosos, achamos que em breve todos os segredos da natureza nos seriam revelados e que a ciência chegaria até as últimas conseqüências. Hoje, a nossa crença é bem o contrário. Como veremos em outras aulas, muitos já acham que apesar da extraordinária inteligência do Homem, que desafia até a teoria da evolução de Darwin, já que as capacidades cognitivas superiores do Homem estão sobrando, e de muito, para serem justificadas pelas pressões evolucionárias da competição pela sobrevivência. Nós estaríamos aqui mesmo sem os pendores para a Arte, para a Matemática ou para a Filosofia e, no entanto, já temos até teorias sobre como elaborar teorias (Epistemologia).
Nós já nascemos curiosos. O bebê, logo que adquire o mínimo controle muscular, já está levando tudo à boca, tentando através dela conhecer alguma coisa sobre o mundo que o cerca. Ao largar as fraldas, e balbuciar suas primeiras palavras, depois de mamã e papá, lá vem o indefectível: por que? Aos dois anos isto atinge o máximo – é a fase dos porquês. Tudo é por que? Se você der um brinquedo a uma criança logo depois de apreciar as proezas do próprio, ela vai partí-lo para ver o que tem dentro e como ele pode fazer tudo o que faz. Não é agressividade, é curiosidade.
Fruto do instinto investigatório inato. Todo ser humano nasce com esta carga dentro de si, uns mais outros menos. Ela perpassa a infância e atinge o paroxismo pelo novo na puberdade e na adolescência. Caminha com o indivíduo pela maturidade. Os grandes feitos científicos são elaborados exatamente no início da maturidade, provavelmente fruto da ânsia pelo novo da juventude. Com o passar do tempo ficamos menos arrogantes em nossas proposições. Ao invés do irrespondível por que? que cria uma seqüência infinita, vamos nos contentando com o mais modesto: como?
Einstein, depois de se formar em Engenharia, arranjou um emprego público no Departamento de Patentes de Berna, na Suíça. Avesso ao regime rígido das universidades, queria pensar sobre os mistérios da natureza. Em 1905, aos 25 anos, só com seus papéis e lápis, formulou a Teoria da Relatividade Restrita que virou a concepção do universo de cabeça para baixo. E, de quebra, no mesmo ano, publicou um artigo que explicou o efeito fotoelétrico. Foi o trabalho sobre o efeito fotoelétrico que lhe valeu o Premio Nobel (de 1921) e não a Teoria da Relatividade que até este ano não tinha sido, ainda, devidamente comprovada. O interessante é que era uma religiosidade que inspirava em Einstein sua criatividade científica. Ele era impulsionado por um misticismo racional. Vejamos suas palavras:
_ “A mais profunda emoção que podemos experimentar é inspirada pelo senso do mistério. Esta é a emoção fundamental que inspira a verdadeira arte e a verdadeira ciência. Quem despreza este fato e não é mais capaz de se questionar ou de se maravilhar, está mais morto do que vivo. Foi o senso do mistério, mesmo se misturando com o medo, que gerou a religião. A existência de algo que não podemos penetrar, a percepção da mais profunda razão e da beleza mais radiante no mundo à nossa volta, que apenas em suas formas mais primitivas são acessíveis às nossas mentes – é esse conhecimento e emoção que constituem a verdadeira religiosidade. Neste sentido, e neste sentido apenas, eu sou um homem profundamente religioso.”
Einstein chamou esta inspiração religiosa da criatividade científica de “sentimento cósmico-religioso”. Muitos cientistas e filósofos foram tomados por uma extasiante perplexidade perante a harmonia do Universo e das leis naturais e crêem numa racionalidade do Universo. Para muitos pensadores não se pode compreender a natureza (e muito menos a mente humana) como desenvolvidas ao acaso. Para eles, atrás destas maravilhas existe um plano racional.
E, mistérios para nos emocionar intelectualmente é o que não nos falta ao redor. Mas não precisamos procurar fenômenos a anos-luz de distância. E o mais intrigante mais perto de nós não poderia estar porque se passa no nosso interior, dentro de cada um de nós. É o mistério da mente conhecedora, do qual não se tem, nem de longe, qualquer explicação. O Eu senciente, isto é, que sente, que tem sensações e sentimentos, é o maior mistério da natureza.