A CERTEZA OU NOSSAS DÚVIDAS?

01/11/2013 12:01

 

 

 

                        Todos nós trazemos certezas conosco mesmo sem ter consciência delas. A certeza plena é fim de linha, nos engessa e paralisa. Sentar-se sobre a verdade é morrer para o resto. Freud chegou a assemelhar a tendência à repetição ao instinto de morte. Já que citamos o pai da Psicanálise vamos tomar a sua teoria como base para algumas reflexões. Será que o analista freudiano não pode dar uma explicação neurofisiológica para uma situação mental? Por exemplo, uma compulsão alimentar? Bom, ao menos foi assim que se pensava nos anos 70 e 80. Todos os fenômenos normais ou patológicos seriam explicados pela Psicanálise e só pela Psicanálise. Também havia os que pensavam o inverso disso. Para muitos, as explicações da Psicanálise não tinham valor. Elas não seriam científicas e não obedeceriam aos critérios de Karl Popper para serem validadas. –“São apenas criações oriundas da Literatura ou da Mitologia e são exemplos únicos e, por isso, destituídas de valores”, diziam alguns.

 

                        Apesar de nossa vida mental ser um ruidoso parlamento de forças adversárias fazemos, também, afetivamente, escolhas e nos engajamos de corpo e alma nelas. Costumeiramente, aplicamos o pensamento categorial nas coisas, isto é, uma coisa é ou não é, pertence  ou não pertence a uma determinada categoria. Sem zonas de sombra ou transições. A partir daí, defendemos tudo o que está na nossa escolha e rejeitamos tudo que esteja em outra categoria. É a mesma divisão do mundo feita no Novo Testamento – “Quem não está comigo, está contra mim”. Aplica-se isto na religião, no futebol, na política mas, também, na Ciência e na nossa Psicologia.

 

                        Cem anos depois nos é possível ter uma visão bem mais crítica sobre Freud e o freudismo. Terá realmente a libido ou energia sexual tanta importância na nossa vida mental? É a sua repressão a causa das neuroses? E o mito de Édipo, é realmente o modelo universal do funcionamento psíquico do Homem? Ou, ao menos, do Homem ocidental? Muitas das conseqüências teóricas tiradas com açodamento da Psicanálise e do freudismo atormentaram, principalmente as mães, mas também as mulheres em geral, na segunda metade do Século XX. Quantas mães não se corroeram de culpa por causa de teorias psicológicas simplórias que as acusavam por todas e quaisquer anormalidades dos filhos? Mensagens ambivalentes ou confusas  causariam esquizofrenia, o autismo infantil era causado pela frieza emocional da mãe – cunhou-se até o termo mãe geladeira; mãe dominadora causava homossexualidade, principalmente se ajudada por um pai ausente; insuficiente conversa de mãe causava distúrbios de linguagem. Cólicas menstruais, enjôos da gravidez e dores do parto foram menosprezados como sofrimento, incluídos como reações psicológicas de conflito com a feminilidade, ou então incluídos como expectativas culturais, e não foram tratados como problemas médicos legítimos.

 

                        E não falamos no tormento da falta de orgasmo feminino na relação sexual ortodoxa, isto é, na relação genital exclusiva, vale dizer pênis-vagina, que infernizou dois terços das mulheres durante um século e, ainda por cima, foram chamadas de infantilizadas.

 

                        As idéias da Psicanálise foram elaboradas num contexto diametralmente oposto a nossa realidade cultural de hoje. São oriundas de uma Viena patriarcal, moralmente vitoriana, atormentada pela agonia de uma sexualidade envergonhada e reprimida ao extremo que só se expressava no corpo pudico das mulheres através das representações histéricas. Como nesta sociedade não tinham voz nem vez, tiveram que seguir os padrões daquilo que os homens achavam que deveriam ser os desejos delas. A histeria e as representações histéricas eram as suas expressões possíveis. Podemos imaginar se o jovem doutor Freud ao invés de lidar com as jovens mulheres pacientes do seu protetor Joseph Breur assistisse ao desfile de uma escola de samba na Sapucaí, ou na televisão, com as vinhetas mostrando mulheres cujo pudor é materializado por uma tinta nos pelos pubianos para disfarçar a genitália desnuda. É bem provável que suas teorias sobre a causa sexual das neuroses fosse formulada diferente, ao menos no quesito repressão. Sua teoria também foi construída, evidentemente, com a ciência da época, principalmente as noções de hidráulica que eram o must da física oitocentista. Assim, se fala de pressão psíquica que pode ser acumulada ou explodir ou ser desviada por canais alternativos. Nós ainda usamos, corriqueiramente, estas idéias quando tentamos descrever nossas emoções e dizemos: explodir sobre pressão; o sangue me subiu à cabeça; extravasar a raiva, etc.

 

                        Nós, hoje, contamos com ciências que no tempo do Freud nem sequer eram sonhadas. Contamos com a Eletrônica e a Informática que mudaram a face do mundo nos últimos cinqüenta anos. A mente humana é atualmente pensada não em termos de energia e sem semelhança com a hidráulica. Mas, manipulando um produto diferente: a informação. A informação não é uma coisa material, uma substância, é uma correlação com significado entre duas coisas (veremos isso em outras aulas).

 

                        A história do pensamento ou da razão humana se assemelha à corrente de um rio. Ela contém todos os pensamentos formulados por gerações e gerações antes da gente e segue o seu curso para o futuro. Todos estes pensamentos determinam a nossa maneira de pensar, do mesmo modo como o fazem as condições de vida do nosso próprio tempo. Assim, não podemos afirmar que determinado pensamento está certo ou errado. Ele pode estar correto mas no ponto em que você se encontra.


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