A CRENÇA NOS ESPÍRITOS (II)

10/01/2014 10:55

                        São as doenças mentais propriamente ditas (psicoses) que vão desempenhar o papel mais importante na crença nos espíritos. Estas doenças se apresentam, o mais das vezes, com delírios e alucinações. Os afetados ouvem vozes perfeitamente identificáveis, de pessoas inexistentes, conhecidas ou já mortas, e são sentidas como vindas de fora deles como se fossem percepções normais, fazendo-lhes ameaças, ordenando coisas ou comentando seus atos atuais. Vêem, também, pessoas ou cenas indistinguíveis das visões da realidade. Estas doenças pertencem, quase sempre, ao campo das esquizofrenias que são doenças crônicas, incuráveis e que afetam até um por cento da população. Os esquizofrênicos foram considerados, em todas as épocas anteriores à codificação médica feita no Século XX, como possuídos por espíritos maus ou obsessores (crença ainda muito difundida). Presenciar um esquizofrênico respondendo ou dialogando, angustiado às vezes, com vozes que que só ele ouve, faz com que muitos entendam que eles estão interagindo com seres espirituais.

 

                        A crença nas almas é um correlato da crença nos espíritos. Como o primitivo acredita que o espírito, em geral, é o espírito de um morto, este espírito deve ter sido a alma de uma pessoa viva. Isto acontece, sobretudo, na cultura em que prevalece a crença de que o Homem só possui uma alma. Mas esta crença não é universal e, freqüentemente, encontramos culturas primitivas em que se pensa que o indivíduo tem duas ou mais almas. Uma das quais sobrevive à morte e goza de relativa imortalidade. Neste caso, o espírito é apenas uma das almas que o indivíduo tinha quando em vida e, portanto, é parte da alma total, uma fração da psique. Certas tribos acreditam que o Homem tem várias almas. Pode ter, por exemplo, uma na floresta, ou estar encarnada num determinado animal. Esta crença traduz o sentimento de que cada um é constituído por várias unidades interligadas, apesar de distintas. Isto significa que a psique de um indivíduo está longe de ser unificada com segurança. Ao contrário, ameaça fragmentar-se muito facilmente sob o assalto de emoções que saiam de seu controle. Não é muito distante das teorias que revolucionaram o pensamento da psicologia como, por exemplo, a divisão feita por Freud do aparelho mental em Ego, Id e Superego. Na teoria cognitivista da mente, que associa nossa alma a um parlamento ruidoso de partes litigantes, afirma-se que o nosso comportamento seria a resultante de uma composição interna entre módulos mentais. Mas o primitivo não acredita apenas nos espíritos dos mortos, existem também demônios elementares que nunca foram almas humanas e que teriam outras origens. Veremos isto mais tarde. Temos, agora, para podermos prosseguir, de introduzir o conceito de Complexo Psíquico.

 

                        Tomemos o sonho para iniciarmos o nosso raciocínio. O sonho é um produto psíquico que surge sem motivação consciente, quando dormimos. Mas a consciência não se apaga totalmente durante o sonho. Uma pequena parcela fica ativa. Assim, na maioria dos sonhos, a pessoa ainda conserva uma consciência relativa de seu Eu, embora seja um Eu limitado e estranhamente modificado: o Eu onírico. É apenas um fragmento, ou a sombra do Eu do estado de vigília. Só existe consciência quando há um conteúdo psíquico associado ao Eu. O Eu é um complexo psíquico solidamente estabelecido num adulto normal. Como sonhamos sempre todas as noites, podemos admitir que as atividades do complexo do Eu raras vezes cessa por completo. No sonho o Eu “vê” os conteúdos psíquicos a ele associados como se estivesse, por exemplo, diante de fatos e circunstâncias da vida real. O que nos angustia muito quando o sonho é ruim ou um pesadelo. Durante o sonho nos encontramos em situações que não tem similar com as da vida real mas nos parecem ser situações da nossa vida real. As imagens oníricas entram no campo da consciência do Eu mas com uma outra espécie de realidade.

 

                        Temos a sensação de que não produzimos os sonhos, mas sim que eles vêm até nós. Não dependem do nosso arbítrio nem da nossa vontade. Obedecem às suas próprias leis, constituem então complexos psíquicos autônomos. Formados com seus próprios materiais. Não conhecemos a fonte de seus motivos e por isso afirmamos que o sonho provém da parte inconsciente da mente.

 

                        Mas, ao afirmar isto, estamos admitindo a existência de complexos psíquicos autônomos e que, portanto, escapam ao controle da nossa consciência e que surgem e desaparecem segundo suas próprias leis. Baseados em nossa vida em estado de vigília, acreditamos que somos nós que formamos nossos próprios pensamentos e dispomos deles sempre que assim o quisermos. Acreditamos conhecer a sua origem bem como a razão e o fim pelos quais os possuímos. Todas as vezes que um pensamento se apodera de nós contra a nossa vontade, sentimos que nos aconteceu algo de excepcional, ou mesmo patológico. No estado de vigília, a mente deve estar sob o controle da vontade. No estado hípnico, a mente produz conteúdos que rompem na consciência como se fossem produtos de um outro mundo. O mesmo acontece com as visões e aparições, só que ocorrem no estado de vigília.