A ESCOLA KLEINIANA
A figura feminina mais importante da Psicanálise, provavelmente é Melanie Klein. As suas idéias inspiraram, a partir de Londres, um movimento psicanalítico chamado Escola Kleiniana que se consolidou nos anos quarenta e alcançaram um apogeu nas décadas de cinqüenta e sessenta. Este movimento unificou um corpo teórico e técnico que ficou claramente individualizado de outros segmentos da Psicanálise contemporânea.
Melanie Klein nasceu na Áustria em 1880, filha de uma família judaica. Seu pai foi um talmudista que tardiamente formou-se em Medicina. Ela também quis estudar Medicina, mas um noivado nos moldes tradicionais já aos dezessete anos com Arthur Klein a impediu de seguir seu propósito. Casou-se aos vinte e um anos e logo teve três filhos. Durante a Primeira Guerra Mundial passou avidamente a ler os trabalhos de Freud e nunca mais diminuiu sua devoção ao mestre da Psicanálise, mas não teve contato pessoal significativo com Freud.
Melanie Klein iniciou sua análise pessoal com Sandor Ferenczi, húngaro, figura muito próxima a Freud, membro do restrito círculo da Sociedade Psicanalítica de Viena. Em 1921, muda-se para Berlim e inicia a sua segunda experiência analítica com Abraham, outra figura muito próxima a Freud e teórico respeitado da Psicanálise. Mas Abraham morre prematuramente. Ernest Jones, inglês, autor de uma famosa biografia de Freud a convence a ir morar em Londres onde, por seu talento, vai tornar-se figura exponencial da Psicanálise e onde fica até morrer, em 1960. Melanie Klein sempre foi uma figura muito polêmica na Psicanálise e neste quesito só perde para o francês Jacques Lacan. Ela teve apaixonados colaboradores, seguidores, ou inflamados críticos e opositores. Lacan, volta e meia, nos seus seminários, desancava Melanie Klein e seus conceitos mais próprios.
Ela teve três grandes enfrentamentos ao longo de sua carreira científica. O primeiro, em 1927, então aos quarenta e sete anos. E logo com quem? Com Anna Freud, a filha do homem. A polêmica foi centrada nas técnicas de análise infantil, onde as duas pontificavam. O segundo, em 1934, quando Glover, um importante analista da Sociedade Britânica de Psicanálise, propôs a expulsão de Klein e de seu grupo da Sociedade, acusando-os de afastar-se dos “princípios básicos da Psicanálise”, vale dizer, do freudismo. E finalmente, já nos últimos anos de sua vida, quando propôs a sua teoria de uma inveja primária na pessoa humana, o que implica uma base constitucional para a agressividade humana. Esta teoria provocou uma cisão definitiva com vários membros de sua escola psicanalítica que sempre a apoiaram. Paula Heimann, até aí a sua mais notável colaboradora, separou-se do grupo. Ela teve, no seu embate com Anna Freud, um forte apoio de seus colegas, mas, provavelmente esta divergência fez com que Freud nunca aceitasse ou apoiasse a sua obra, apesar dela se proclamar sempre fiel discípula e continuadora de suas idéias.
O grande golpe em sua vida, com certeza, deve ter sido o que aconteceu na grande disputa interna da Sociedade Britânica de Psicanálise em 1934, quando sua filha Melitta apoiou o grupo de Glover contra sua mãe. Este lado perdeu a disputa, afinal ela não foi expulsa da sociedade. Inconformada, sua filha mudou-se definitivamente para os Estados Unidos e, ao que tudo indica, ficou inimiga de Melanie Klein para sempre.
A leitura de seus textos são sempre impactantes. Suas descrições clínicas, sempre recheadas de observações perspicazes são, quase sempre, desenvolvimentos dramáticos refletindo o mundo de fantasias e vivências íntimas angustiosas que constituem a base do funcionamento mental de seus pacientes, adultos e crianças. Em quase todos os seus artigos encontramos idéias inovadoras, apesar dela sempre enfatizar que suas idéias têm uma continuidade direta com as idéias de Sigmund Freud. Mas, muitos autores opinam (e acho que com razão) que há uma ruptura teórica entre Freud e Klein. Estes autores afirmam que seus trabalhos formam uma nova teoria do funcionamento mental e do desenvolvimento psíquico.
A idéia do conflito freudiano sendo uma luta entre pulsão e defesas a esta pulsão é substituída pela de conflito entre desejos de amor e desejos de ódio. Freud é nitidamente muito mais biológico do que Klein. A emocionalidade seria, para ela, a base do funcionamento psíquico e as fantasias inconscientes (veremos depois a importância deste conceito) em seu desenvolvimento dramático é o que dá significação ao processo mental.
Melanie Klein foi instada pelo seu primeiro analista, o húngaro Sandor Ferenczi, a se introduzir na análise de crianças. Aceitando o conselho de Ferenczi ela cria as técnicas psicanalíticas do jogo infantil. Para analisar crianças ela aceita seus jogos, suas dramatizações, as expressões verbais e não verbais, sonhos, como material significativo e, através deles, explora, sistematicamente, as fantasias conscientes e, principalmente as inconscientes, que estão por trás destas atividades. Aceita até pets nas sessões. Foi uma proposta super inovadora em relação aos antecedentes da análise infantil até esta época. O seu objetivo é explorar o inconsciente infantil e interpretar as fantasias, sentimentos, angústias e experiências expressadas nos jogos durante as sessões de análise. E se houver inibições da criança nos jogos, explorar as causas destas inibições.