A MENTE É UMA TÁBULA RASA?

10/01/2014 10:57

         Jung, afirma então, que não nascemos com a mente como tábula rasa. Nós já iniciamos nossas vidas com experiências que não são nossas. O termo “tábula rasa” origina-se do latim medieval tábula rasa. Em geral, é atribuído ao filósofo John Locke (Século XVII), embora, na verdade, Locke usasse uma metáfora diferente.

                    Vejamos a passagem de “Ensaio acerca do entendimento humano”: “Suponhamos, pois, que a mente seja, como dizemos, um papel em branco, totalmente desprovido de caracteres, sem idéias quaisquer que sejam. Como ela vem a ser preenchida? De onde provém a vasta provisão que a diligente e ilimitada imaginação do homem nela pintou com uma variedade quase infinita? De onde vem todos os materiais da razão e do conhecimento? A isto respondo em uma palavra: da experiência.”

 

                     Locke estava apontando para as teorias de idéias inatas segundo as quais as pessoas nascem com idéias matemáticas, verdades internas e a noção de Deus. Sua teoria contrária a isso, chama-se Empirismo, já que  destaca a experiência. Destinava-se a ser tanto uma teoria da Psicologia – como a mente funciona, como uma teoria da Epistemologia – como chegamos ao conhecimento. Mas, como tudo, também é uma teoria política. Locke mirava os alicerces da realeza hereditária e da aristocracia, cujos membros não podiam arrogar-se o mérito de sabedorias inatas se suas mentes haviam começado tão vazias quanto às de qualquer camponês. O sangue do rei e do nobre era vermelho como do plebeu. Durante o século passado, a doutrina da tábula rasa dominou a maior parte das ciências humanas. A Psicologia procurou explicar as emoções, os sentimentos e os comportamentos com mecanismos do aprendizado. Uma lista de conceitos que pareciam naturais no Homem, como as relações do parentesco, as diferenças entre os sexos, agressividade, etc., passou a ser vista como socialmente construída e não inata. “Não se nasce uma mulher, torna-se uma mulher.” O famoso refrão de Simone de Beauvoir representa bem o pensamento dominante no Século XX. 

 

                     Quase dois mil anos antes de Locke, os gregos já haviam filosofado sobre as propriedades da mente ao nascermos. Platão dividiu a realidade em duas partes: o mundo dos sentidos – aproximado e imperfeito, e o mundo das idéias – eterno e imutável, que não pode ser conhecido através dos sentidos, só através da razão. Para o filósofo, o Homem é um ser dual. Temos um corpo que flui, modifica-se, ligado ao mundo dos sentidos e por isso tem o mesmo destino das outras coisas presentes no mundo. Mas, também, possuímos uma alma imortal, que é a morada da razão. Apesar de termos esta alma sábia que o filósofo crê que já existia antes de nascermos,  isto é, antes dela habitar o corpo, no momento desta conjugação com a carne, ela, a alma, se esquece das idéias perfeitas. Os filósofos são aqueles que vão procurar em vida readquirir estes conhecimentos. E empreender uma jornada de volta ao mundo das idéias. Conhecer, para Platão, nada mais é do que recuperar o que se aprendeu antes de nascer. Processo chamado de anamnésia. Mesmo nascendo esquecida, a nossa mente não estava vazia, então.

 

                     E Freud? O pai da Psicanálise admite que já nascemos com alguma coisa semelhante ao inconsciente coletivo de Jung?  Nenhuma outra parte da teoria de Freud foi mais criticada e rejeitada do que a idéia da sobrevivência da “herança arcaica.” A civilização, ou a cultura, para Freud, é determinada não só pelas disposições e instintos, mas, também, através de conteúdos ideacionais provenientes da memória das experiências de gerações anteriores. O indivíduo humano ainda se encontra em identidade arcaica com a espécie. Freud tentou reconstruir a pré-história da humanidade,baseado inclusive nos trabalhos de Darwin, que falaram da horda primitiva e do assassinato dos pais despóticos que dominavam essas hordas. Para ele, os machos jovens se uniram e assassinaram o pai tirânico e depois, em grande regozijo, se permitiram todas as liberdades negadas pela força física do pai com as mulheres do grupo. Seguiram-se lutas fratricidas e o advento de desgraças coletivas. Embora prevalecesse o ódio, o sentimento em relação ao pai era ambivalente e, pouco a pouco, os sentimentos positivos foram aparecendo. Este sentimento, e os temores que o pai mesmo morto pudesse emergir e vingar-se, produziram o totemismo, a primeira religião. Com a repetição destes fatos em inúmeras hordas, o pai morto adquiriu, com o tempo, a dimensão de um espírito sobrenatural, concomitantemente amado e odiado. Os homens, após um sem número de repetições catastróficas destes eventos, e levados por temores intensos, sentimentos de culpa e desejos de reparação, foram guiados a um pacto coletivo, o primeiro código moral.  Freud supõe que o crime primordial – o parricídio e o sentimento de culpa que lhe é concomitante, reproduzem-se em formas modificadas ao longo da história: no confronto das velhas e das novas gerações, nas revoluções e nas rebeliões contra as autoridades estabelecidas. O pecado original captado por Paulo, o judeu romano, seria a memória arcaica deste crime – o parricídio, que não foi contra Deus e sim contra o Homem e que não foi pecado porque foi cometido contra um que era, ele próprio culpado: o pai despótico.