A TRANSFERÊNCIA (II)

17/01/2014 12:30

 

                        Freud sempre se mostrou imune às declarações amorosas das suas clientes e também não se envaideceu de ser o centro dos afetos das clientes. Interpretou estes amores (amor de transferência) em seus trabalhos como sendo transferências afetivas. – “A paixão revelada – seja amor ou ódio – toma sempre como objeto a pessoa do médico. Assim, ser caluniado e chamuscado no fogo do amor com o qual operamos são o risco da profissão.”

 

                        Nem só de amor é composta a Transferência, todos os tipos de sentimentos podem ser transferidos, inclusive o ódio, é claro, o que se chama de Transferência Negativa. No início, a Transferência foi vista como um empecilho, uma reação adversa ou colateral da Análise. A amorosa obrigava, se resistisse às interpretações, o correto terapeuta à suspensão imediata do tratamento. A negativa também. É impossível analisar alguém que o detesta. Mas em breve foi possível compreender que a Transferência é intrínseca ao processo analítico e, necessariamente, vai aparecer nos neuróticos no decorrer da análise.

 

                        Como o setting analítico é, ou deveria ser, asséptico e esterilizado, uma ilha isolada na vida do paciente, se a Transferência aparecer, era de pronto identificada. O analista não deve encontrar o paciente em outros cenários, em situações diferentes ou diferentes locais. Não deve ter relacionamento mais íntimo com amigos ou parentes dos clientes. Os encontros devem ter só a finalidade terapêutica. São vedados outros interesses. O analista deve postar-se receptivo à fala do analisando, mas neutro em relação as suas escolhas existenciais. É preferível uma postura sempre idêntica em todas as sessões. Alguns até sugeriram que o analista usasse sempre o mesmo tipo de roupa. Todas estas precauções levam a evidenciar as alterações da maneira com que o analisando sente o seu terapeuta.

 

          Vejamos, para exemplificar, uma situação típica de análise: o paciente entra, é cumprimentado e deita-se no divã. Fica em silêncio. Alguns minutos depois, fala o seguinte: - “Você nem me cumprimentou direito hoje. Apesar de estar com uma cara de satisfeito.” Segue-se um outro silêncio. Em seguida, o cliente diz num tom crítico: -”Eu já notei que esta mulher que você atende antes de mim, sempre que acaba o tempo dela ela vai ao banheiro. Será que a sessão dela tem um bônus?”Segue-se outro silêncio. O analista, então, diz o seguinte: -” Você está insinuando que eu e ela, aqui dentro e com a porta fechada, estávamos transando enquanto você estava lá fora na sala de espera com a cabeça povoada de fantasias, mas também de ciúmes e de inveja. “Mesma situação que você vivia quando, excluído do quarto de seus pais, imaginava que trancados lá dentro desfrutavam um do outro.” De imediato, o paciente fala em tom de raiva: -“O senhor está é doido, não sei de onde tirou estas conclusões ridículas. Acho que estou jogando o meu dinheiro fora aqui.” Silêncio pesado. Depois de algum tempo, o analista disse o seguinte: -“A sua emoção indica que eu devo estar certo na minha colocação.”

 

                        O analisando esteve transferindo afetos e revivendo angústias do início da sua vida e, por isso também, possibilitando que a Análise promova a reorientação destes afetos. A reação transferencial evidencia resíduos conflitivos do analisando com seus objetos afetivos iniciais. Mas agora estão orientados transferecialmente para o analista e rememorá-los também implica em possibilitar sua resolução.

 

                        O analista, é claro, deve sempre poder ser continente para estes afetos, sejam eles negativos ou positivos, isto é, ser capaz de não reagir afetivamente a estas transferências com melindres ou agressões. Não deve ofender-se, quando é o caso, e nem também achar-se o Brad Pitt quando a reação for de amor de Transferência.

 

                        Paulatinamente, a Transferência foi deixando de ser considerada como resistência ao tratamento e passou a ser usada intensamente a favor do labor psicanalítico e, por fim, a análise da Transferência passou a ser a essência da cura psicanalítica. Uma interpretação completa contem, sempre, a formulação do que se passa na relação do analista com o analisando. Para uma corrente se deve criar, depois de algum tempo de tratamento, a neurose de Transferência, estado no qual a relação do paciente com o seu analista fica no proscênio de sua vida afetiva.

 

                        Alguns afetos que o analista experimenta durante as sessões são indicativos do que se passa naquele momento com o cliente. Por exemplo, irritação. Se o terapeuta fica irritado com o material trazido, ele deve estar embebido em um comportamento histérico. A atuação histérica geralmente causa irritação no espectador. Sono, se não há razões orgânicas para isto, é a reação contra-transferencial automática a conteúdos de morte. Coisa comum nos depressivos. Uma repentina e descabida atração física significa, provavelmente, uma tentativa de sedução por parte da cliente.

 

                        Toda atividade humana que se desenvolver com proximidade e intimidade e seja freqüente vai gerar, fatalmente, fenômenos transferências. A atuação do médico, do professor, do padre confessor, do pastor, do pai de santo, do guru, do fisioterapeuta, do personal trainning, do chefe, e assim por diante, são exemplos de atividades que geram fenômenos transferenciais facilmente.