ANOS PÓS-PÍLULA
Tomando por base o ano de 68, eleito pela mídia para simbolizar as mudanças, os costumes e os papéis sexuais sofreram uma extraordinária modificação. Lá se vão quarenta anos! – são os anos pós-pílula. Em 1960, o primeiro contraceptivo oral estava à venda na América do Norte. Na França e na Inglaterra, só em 1967 (na França, uma lei de 1920 proibia qualquer contraceptivo). Em 1973, depois de debates apaixonados e até violentos, a liberdade para abortar foi adquirida na América do Norte. Em 1974, este direito estendeu-se para a Alemanha e, em 1975, para a França. Desde aí, na Europa, só Portugal e a Irlanda continuaram hostis ao aborto.
Ninguém se deu conta, no início, de que a contracepção, reforçada pelo aborto, iria transformar radicalmente a relação dos sexos e mesmo, depois, a própria sociedade. Os conservadores se exasperavam, não podiam mais controlar a sexualidade de suas filhas, nem mais das esposas. O que podia parecer, nos primórdios, um direito exclusivamente feminino e uma etapa para uma igualdade dos sexos foi, na realidade, o início de uma nova era, que ultrapassa, e de muito, o universo feminino.
Quando as mulheres obtiveram o direito à contracepção, os homens perderam, junto, todos os meios de controle da sexualidade delas. A sociedade que se erigia, entre outros fundamentos, sobre a repressão coercitiva da sexualidade feminina, vista como perigosa ou até insaciável pelos homens, encontrava-se privada de um de seus melhores instrumentos. Mas, em compensação, se a fidelidade da esposa escapava à vigilância do marido, agora o homem tinha menos razões para temer os bastardos. Na verdade, a traição tornara-se tão fácil para as mulheres, do ponto de vista externo, como tinha sido até então para os homens. Desde aí, a vigência de um amor tornava-se o único obstáculo da infidelidade feminina. A confiança recíproca substitui o controle e a repressão.
A legalização do aborto foi mais longe: confirmou o poder feminino exclusivo sobre a criação. O direito de vida e de morte sobre o filho mudou de mãos. Já que, não faz muito tempo, quando um parto se complicava o médico pedia ao marido que escolhesse entre a vida do filho e da mãe. O costume era escolher a mãe, mas o direito, baseado no sistema patriarcal oferecia, também, a alternativa. Hoje, a situação é o inverso. Na Europa e na América, onde há o direito ao aborto, os direitos da mulher passam antes daqueles do feto e antes dos deveres de mãe. A maternidade não é mais sagrada e a mulher tornou-se um indivíduo igual ao homem. Desligando a mulher da obrigação de gerar, que nascera com a espécie lá nas savanas da África, quebrou-se a equação milenar - mulher-mãe. Que até aí fora considerada eterna porque era firmada na natureza biológica da fêmea da espécie e tida como mandamento divino. Não somente a mulher não é mais identificada à mãe, na qual primeiro a natureza, e depois a sociedade a tinham encerrado, mas o poder, agora com elas, subverte os papéis milenares entre os sexos. Daí por diante, o homem não é pai senão pela graça da mulher. Se ele quer ter um filho precisa pedir-lhe que pare de tomar a pílula.
Esta revolução e a sua conseqüência, que foi a inserção da mulher no mercado de trabalho e partilhar o poder econômico com o homem, pregaram de vez, no Ocidente desenvolvido, o último prego no caixão do sistema patriarcal que era considerado natural e, portanto, eterno (temos, sempre, de nos lembrar que a pílula é um dispositivo não natural).
A prova desta mudança é que agora, no terceiro milênio, os homens não trocam mais suas mulheres como sempre o fizeram, segundo os seus valores econômicos. As relações globais de trocas que constituíam os casamentos não se estabeleciam entre um homem e uma mulher, cada um dando e recebendo alguma coisa, mas se estabelecia entre dois grupos de homens e a mulher, no caso, a prometida, era apenas o objeto de troca e, isto era verdade, mesmo que os sentimentos dela fossem levados em consideração. Concordando com a união, ela apenas facilitava a operação de troca. Levi-Strauss, que enunciou estes fatos, ilustrou suas palavras com muitos exemplos tomados de sociedades antigas, mas afirma que valem até nosso tempo. No Século XII, a estratégia ótima para os nobres cavaleiros era esforçar-se para casar todas as filhas disponíveis de sua linhagem com filhos de vizinhos importantes, ao mesmo tempo em que limitavam os casamentos de seus varões.
Até apenas algumas décadas, o casamento para a mulher era o único caminho para a segurança, a respeitabilidade e para a procriação. A gravidez fora do casamento era condenação a uma vida miserável. Hoje, ele perdeu estas três características fundamentais. A mulher buscava a segurança econômica e até a sobrevivência no casamento. Encontrar um marido era a maior preocupação da jovem, uma obsessão, talvez.