AS MENTIRAS (II)
Há, até, uma diferença de gênero para o mentir. As mulheres, mostram as pesquisas americanas, mentem em suas conversas visando, sobretudo, criar um bom ambiente ou um bem estar entre elas. Os homens, ao contrário, estão interessados em suas conversas em promover a própria imagem e a louvar seus próprios feitos.
Enviar mensagens enganosas não é apanágio da nossa espécie . Até as plantas, sem qualquer vestígio de sistema nervoso, fazem isto. Um tipo de orquídea exibe lindas flores que muito se assemelham a vespas do sexo feminino, e ainda por cima fabricam um coquetel químico semelhante aos feromônios das fêmeas para atrair parceiros. Estes fingimentos visuais e olfativos fazem com que os machos das vespas fiquem nas flores um bom tempo, o suficiente para se lambuzarem com o pólen que vão levar adiante. Qualquer minhoca com um sistema nervoso rudimentar é capaz de, ameaçada, fingir-se de morta. Conforme vamos avançando na escala animal vemos o repertório das trapaças tornar-se mais flexível, calculado e adaptado ao contexto social. É claro, o cume destas habilidades pertencem aos primatas. Em 1995, foi publicado o livro “The thinking ape”, da autoria de dois biólogos, que traz a teoria, muito celebrada atualmente pelos antropólogos, chamada: Hipótese da Inteligência Maquiavélica. Segundo esta teoria, a extraordinária explosão de inteligência ocorrida nos primatas foi impulsionada pela necessidade de dominar formas cada vez mais sofisticadas de trapaças para as manipulações sociais. Eles tiveram de ficar cada vez mais espertos para o jogo social e foi por isso que os nossos ancestrais se tornavam cada vez mais inteligentes e adeptos do fingimento, engodos, blefes e conluios, isto é, a formação de patotas.
A Teoria da Inteligência Maquiavélica afirma que a mentira é nata com a nossa espécie e que a determinou. Indica, também, que paralelamente ao engodo e ao seu entorno, se desenvolveu na mente a capacidade de detectá-lo. Foi assim que a coreografia complexa do jogo social se estabeleceu em nossas vidas e está mais sofisticada ainda em nossos dias pelo aumento exponencial que houve nas informações disponíveis para nosso uso e pelo desenvolvimento sofisticado de técnicas para influenciar o outro. Estou falando, também, da propaganda, do marketing e da extensão do conceito de produto para o ser humano.
Nós, hoje, sofremos a influência do marketing no mundo profissional usado para promover pessoas, sejam elas políticos, profissionais ou, simplesmente, aspirantes à notoriedade. Pode-se ler, então, na coluna social: “O Doutor Fulano, eminente dermatologista, que tem entre suas clientes as atrizes Beltrana e Sicrana, acaba de regressar de Los Angeles, onde proferiu palestras em universidades versando sobre novidades técnicas na aplicação do Metacril”. É até mais provável que este Doutor tenha ido só à passeio para a Califórnia. O mesmo tem feito a poderosa indústria farmacêutica empregando vários meios e obtendo êxito em transformar vários dos problemas e contingências comuns da vida como o envelhecimento, a timidez, a menopausa, a tristeza ou a solidão em doenças. E, se por sua vez, forem doenças, podem ser tratadas com medicamentos. Isto é feito buscando, com o apoio de mordomias dadas aos médicos formadores de opinião e com a utilização maciça da mídia em campanhas dirigidas aos outros médicos e, direta e indiretamente, aos pretensos doentes transformados em consumidores. Assim, as pessoas estão satisfazendo a uma necessidade de saúde criada pela própria indústria farmacêutica e ao seu entorno, como os laboratórios de exames clínicos, os de imagem, aos planos de saúde, etc. Um bom exemplo disso foi a tentativa malograda de conceituar a “disfunção sexual feminina” e arranjar um Viagra feminino. Há, até, proposições estranhas como a da “síndrome das pernas inquietas”.
A mídia é o fetiche da sociedade em que vivemos, principalmente a televisão. Antigamente, os nossos avós consultavam os mais velhos, ou a Bíblia, ou os sacerdotes, para saber a verdade. Hoje, basta aparecer na mídia para virar uma certeza. O grande segredo da publicidade foi transformar o supérfluo em objeto de desejo e, portanto, em necessidade interna. Isto inclui um telefone celular com filmadora digital e MP3, ou uma pílula para uma doença de lavra recente que, aliás, nem é doença.
As habilidades para o jogo social vão ficar drasticamente necessárias na puberdade e na adolescência. Até aí, o incipiente entendimento das crianças sobre a mente e das intenções e crenças do outro, só lhes permitiam ou a verdade ou mentiras toscas. Na adolescência, o juiz trila o apito para o início do jogo à vera na vida social. Bem no início, os hormônios já estão jorrando, o que aumenta exponencialmente os impulsos e os apetites. Infelizmente, a parte frontal do cérebro, aquela que é responsável pelo segundo pensamento e pelos raciocínios sofisticados que desembocam na postergação da realização dos desejos, só vai amadurecer mais tarde. Mesmo aos vinte anos, sabe-se hoje, nem todas as áreas frontais estão maduras. Robert Feldman mostrou que os adolescentes capazes de mentir de forma convincente são aqueles que desfrutam de particular reconhecimento e sucesso entre seus pares. Mentir bem, segundo as pesquisas de Feldman, dá Ibope. Vale lembrar que a mais importante das metas de um adolescente é ser bem aceito, principalmente em seu grupo ou tribo.