AUTOCONTROLE
Donald Campbell, psicólogo que estudou a psicologia do prazer, afirma que os ganhos em bem-estar não nos tornam mais felizes no longo prazo. De fato, o estudo da felicidade nos lembra os valores pregados num sermão tradicional. Os números demonstram que os felizes não são os ricos, os privilegiados, os saudáveis ou os bem-apessoados. Os felizes são os que têm cônjuge, que têm amigos, religião e um trabalho instigante e significativo. Estas constatações das pesquisas devem ser examinadas com cautela e podem estar distorcidas. Primeiramente, elas se aplicam à média da população e não a indivíduos – já que são estatísticas e, em seguida, por não desvincularem causa de efeito. Assim, ter amigos faz você ser mais feliz. Mas ser feliz também influi no número de amigos que você tem porque estar de bem com a vida, todos sabemos, vai fazê-lo conquistar pessoas. Campbell resumiu o resultado de sua pesquisa dizendo que a busca direta do prazer é uma receita para a vida infeliz.
Quando dizemos que fulano é governado pelas emoções, geralmente estamos querendo dizer que ele está sacrificando seus interesses de longo prazo pelas gratificações imediatas. Perder a paciência, ceder a um sedutor ou puxa-saco, torrar todo o salário, desmarcar o dentista, etc., são exemplos e creio que todos já fizemos isto. O inverso: a capacidade de postergar uma recompensa, nós chamamos de autocontrole ou adiamento de gratificação. As pessoas em volta, e até os psicólogos aplaudem e, com freqüência, recomendam esta atitude e a consideram um sinal de inteligência, de inteligência emocional e de capacidade de planejamento na vida. É a poupança do gozo. Mas, a lógica da escolha pode ser também aproveitar agora e compensar depois. Os economistas chamam isto de descontar o futuro. Preferir a recompensa rápida a uma gratificação distante. Pode já ser até uma boa estratégia na vida. Aliás, nós vivemos, assiduamente, tendo de tomar este tipo de decisão. Se você abrir mão agora não há garantia que poderá gozar no futuro. Ninguém sabe se estará vivo ou até quando estará.
Algumas destas decisões já foram tomadas pela nossa constituição, ao nascermos, e estão no nosso corpo. Nós nos tornamos mais frágeis com a idade porque nossos genes “descontam o futuro” e constroem corpos muito fortes na juventude às custas de corpos mais frágeis na senectude. Este adiantamento compensa para a espécie porque o vigor é mais importante que a longevidade para a reprodução e a criação da prole. Mas, a maior parte das decisões quem toma é a nossa mente. Estamos escolhendo, consciente e também inconscientemente, entre coisas boas agora ou, talvez, coisas melhores mais tarde e, também, entre coisas ruins agora, para nos livrarmos de possíveis coisas piores depois. Se a perspectiva de vida é curta para o sujeito e ele não acredita no amanhã, a decisão é: curta agora mesmo. Vá para a Europa agora, já que podes andar, depois só encarapitado nos ônibus de turismo. Esta lógica é mostrada nas piadas de pelotão de fuzilamento: oferecem o cigarro de praxe ao condenado fumante. Ele recusa – “Não, obrigado. Estou tentando parar de fumar!”. Rimos porque é absurdo ele adiar a gratificação. Mas, na maior parte do tempo, temos certeza que não morreremos dentro de minutos. Mas a vida é finita – o grande problema existencial – todos corremos o risco de, se abrirmos mão de desfrutar alguma coisa ou postergarmos demais, nunca podermos gozá-la.
Há uma classe de criaturas que agem como se descontasse, exorbitantemente, o futuro: os criminosos. Um crime é um jogo cuja recompensa é imediata e cujo possível custo vem mais tarde. Muitos psicólogos, psiquiatras e sociólogos (agora se diz cientistas políticos) atribuíram este desconto exorbitante a uma inteligência reduzida, ou a uma certa debilidade intelectual. O criminoso não mede as conseqüências porque não conseguiria avaliá-las corretamente. Mas, em determinados guetos, a expectativa de vida para os jovens do sexo masculino é muito baixa e todos eles sabem muito bem disto e a levam em consideração no seu norteamento através da existência. Ficou famoso, nos Estados Unidos, um documentário chamado “Hoop dreams”, sobre os aspirantes a jogadores de basquete num gueto miserável de Chicago. Há uma cena marcante, na qual a mãe de um dos rapazes se rejubila por ele estar vivo no dia em que completa dezoito anos. É evidente que podemos transportar estes dados e raciocínio para o nosso Brasil e para as nossas favelas. Basta apenas que carreguemos nas tintas. Os documentários, aqui, mostram que há um discurso típico do jovem traficante: - “Não dou valor a minha vida. Prá mim tanto faz morrer como ficar vivo. Então, vou botar prá quebrar.”
O garoto, da favela ou do gueto, não tem qualquer garantia que os investimentos em esforço e abdicação de prazeres imediatos vão ser recompensados e se ele terá qualquer reembolso em longo prazo. Então vai, até racionalmente, optar por descontar, exorbitantemente, o futuro: cheirar todas, fumar todas, correr todos os riscos e consumir ao invés de investir. Poderemos, então, dizer que, nestas circunstâncias, não é uma obtusidade, ou burrice, sacar tudo da conta do futuro, invés de poupar para o inverno da vida, como rezam os manuais tradicionais de boa conduta. É, no dizer dos evolucionistas, uma resposta adaptada e adequada e tem grande semelhança lógica, guardadas as proporções, quando resolvemos comer a sobremesa duas vezes ou abusamos do champã geladinho que nosso anfitrião generoso não nos deixa faltar na taça.