CHAPEUZINHO VERMELHO
Podemos dividir os contos folclóricos de fada em dois tipos: aqueles que asseguram à criança um retorno ao lar e ao amor dos pais, depois de aventuras em que se perderam, tanto por desobediência, tanto por necessidade, e os contos em que foi chegada a hora da partida e que isso é bom, desejável e definitivo. No primeiro caso, estão “Chapeuzinho Vermelho” e “João e Maria”. No segundo, “A Gata Borralheira”, “A Bela Adormecida”, “Branca de Neve” e “A Bela e a Fera”. Vamos começar pela análise de “Chapeuzinho Vermelho”, conto em que é assegurado o retorno à casa e ao amor dos pais, compilado dos Irmãos Grimm (1812). A versão de Perrault é de mais de cem anos antes.
Na sua análise de “Chapeuzinho Vermelho”, Marilena Chauí cita a canção infantil em que é dito “Chapeuzinho Cor de Fogo”. Hora, fogo é uma das metáforas mais usadas, em nossa cultura, para referir-se ao desejo sexual. Usamos seguidamente abrasar, arder, queimar, nas metáforas para indicar um corpo excitado pela concupiscência. Há um claro deslocamento para cima. Perrault fala não de “Chapeuzinho Vermelho”, mas de “Capinha Vermelha.” Mas ninguém fala em “sainha vermelha”. “Chapeuzinho Vermelho” também é um símbolo do início da menstruação.
A menina, diferente de João e Maria, vive num lar de fartura e harmonia e, para ela, o mundo fora do lar não é uma floresta ameaçadora onde a criança não consegue encontrar os caminhos de volta. Existe uma estrada bem conhecida. Mas, a mãe aconselha Chapeuzinho a não se desviar dela. A menina está ficando mocinha e se vê, agora, necessariamente, defrontada com os problemas do sexo, em outro nível, que desconhece. A mãe a adverte para que não saia da trilha para não quebrar a garrafa com vinho. Isto é, não se desviar das normas da virtude e não se arriscar a perder a virgindade. “Não olhar para todos os cantos” é não ficar atenta para os detalhes da vida adulta e descobrir seus segredos, o que ainda está proibido para ela. “- Terei todo cuidado”, promete Chapeuzinho.
A menina é amada universalmente porque, embora quase sempre virtuosa, é susceptível à tentação, como todos nós. Mais profundamente, pode-se dizer que se não houvesse em nós algo que aprecia os lobos maus eles não teriam tanto poder sobre nós. É importante saber de todas as manhas e de todos os perigos que envolvem os maus lobos do mundo. Mas, é ainda mais importante saber também, os que os torna tão atraente para nós. Por mais simpático que nos seja a ingenuidade da mocinha, é também perigoso não querer ver os aspectos reais e negativos da condição humana.
O lobo é um típico sedutor masculino mas representa, também, as tendências instintivas dentro de nós e Chapeuzinho cede facilmente às sugestões do lobo e sai de sua trilha para desfrutar os prazeres e as alegrias do bosque, seu mundinho fora do lar. Além disso, a jovem informa ao lobo, com todos os detalhes, onde está a casa da vovó e o que ela vai fazer lá. Mesmo uma criança de quatro anos que escute a história estranha qual é o propósito de uma informação tão detalhada. Será que é assegurar-se que o lobo encontrará o caminho para comer a vovozinha? Só os que estão convencidos que os contos de fada não fazem sentido deixam de ver que Chapeuzinho, apesar de inconsciente, está nitidamente contribuindo para que o lobo ache o caminho. A vovó também tem lá as suas culpas – “não havia nada” que ela não desse à menina, diz o conto. Foi ela, também, quem lhe deu o chapeuzinho de veludo vermelho que vai, dali para diante, caracterizar a menina. Assim, podemos suspeitar que o chapeuzinho é o símbolo de uma transferência prematura da sexualidade ou da capacidade de suscitar atração sexual.
A história sugere que a menina não está, ainda, capacitada para usar o chapeuzinho vermelho, isto é, lidar com o que ele simboliza: a sexualidade em botão. E o que o seu uso atrai – o implacável macho da espécie personificado pelo inescrupuloso lobo. Está, aí, a compreensão do porque das dicas tão detalhadas que Chapeuzinho dá da casa da vovó. Na verdade, ela está orientando o lobo para lá. Ela age como se estivesse dizendo: “- Deixe-me em paz, eu só sou uma menina e quero brincar no bosque e colher minhas florzinhas. Vá ter com a vovó que é uma velha. Ela é que é capaz de lidar com você e com seus apetites. Eu não.”
O ouvinte, certamente também pergunta, porque o lobo não devora Chapeuzinho logo depois que a encontrou, afinal não há ninguém por perto. Aí, o lobo pensa: “-Como é tenra, que bom bocado! Deve ser mais gostosa do que a velha. Tenho que proceder habilmente para pegar as duas.” Esta explicação não faz sentido. Depois de saber onde mora a velha poderia, simplesmente, devorar Chapeuzinho e então, se ainda quisesse, partir para comer a vovó. Num nível mais profundo de interpretação, diríamos que ele não devora Chapeuzinho de imediato porque o que ele quer mesmo é comê-la num outro sentido que usamos em linguagem chula, quando queremos dar um sentido do homem comer uma mulher, levá-la para a cama, transar. Mas seria necessário livrar-se da velha anteriormente. Devemos sempre nos lembrar que, também nos contos de fadas, as avós são mães-substitutas. As crianças sabem que está se passando algo diferente que sua experiência não lhes permite explicar, segundo o psicanalista de crianças Bruno Bettelheim.