LACAN E SEU CONCEITO DE INCONSCIENTE

10/01/2014 10:40

                        Em sua mais conhecida fórmula, Lacan reúne os dois temas de nossa aula anterior. Ele diz: - “O Inconsciente é estruturado como uma linguagem.” Para o mestre francês, os mecanismos do Inconsciente podem ser expressos por operações lingüísticas, por figuras de retórica que vão esclarecer, inclusive, o sintoma neurótico. Inspirando-se em Ferdinand de Saussure e suas teses sobre Lingüística, Lacan chega a dizer: - “O sésamo do Inconsciente está em ter força de palavra, em ser estrutura de linguagem. Por isso é através do mundo da linguagem, que precisamos expressar o Inconsciente.”

 

                        Agora, vamos precisar fazer, então, alguns esclarecimentos elementares sobre Lingüística. Imaginemos um quadro negro. Aí, alguém escreve no quadro a palavra constituição e, em seguida, lê o que está escrito pronunciando, então, a palavra escrita: constituição. Temos dois tipos de representação: a letra e a palavra. Uma utilizando o aparelho da visão e a outra a da audição. Podemos, também, ir ao dicionário e vermos o significado da palavra escrita e pronunciada. No Aurélio, entre outros significados, está; “Lei fundamental e suprema de um Estado que contem normas respeitantes à formação dos poderes públicos..., etc.” Em Lingüística, distinguimos o significado de um termo e aquilo que pode conter este significado - o significante. No caso, a palavra escrita constituição, ou a sua pronúncia, são os significantes que contem o significado (visto no dicionário) de constituição.

 

                        Quase sempre nos atemos à importância dos significados (semântica). Quem dá mais importância aos significantes são aqueles que nos ensinam como escrever ou pronunciar as palavras, geralmente nossos professores de Português. Lacan inverte essa hierarquia e nos diz que no nosso Inconsciente o que vale mesmo é o significante e seu encadeamento Inconsciente – a cadeia significante.

 

                        Vamos dar um exemplo. Uma jovem de dezessete anos, que desde menina fora retraída e medrosa agora se mostra muito angustiada e não quer mais prosseguir no seu estudo. Assusta-se a toa, não dorme, e não mais quer sair de casa. É uma moça bem afeiçoada mas nunca namorou. Parece assexuada. Sempre foi muito responsável e geralmente era a primeira aluna da turma ou algo parecido. Apesar da insistência dos pais não revela, com consistência, a causa de suas angústias. Por duas ou três vezes entrou em pânico quando um gato da vizinhança estava andando por cima do muro que divide a casa dela  do vizinho. Levada ao médico da família, este recomendou tratamento psicanalítico. A família, esclarecida, prontamente concordou. A moça, apesar de não ver razões para tal, como era de costume, obedeceu. O tratamento foi muito difícil e no começo a jovem ia quase sempre obrigada e, por mais de uma vez, quis desistir. Só muito mais tarde aderiu ao método. Com um ano e meio de Psicanálise, revelou ao terapeuta que quando tinha seis anos, um meio-irmão de seu pai, bem mais novo que ele, filho de um segundo casamento do avô, vinha regularmente passar férias em sua casa. Este, digamos, seu meio-tio, fez uma excelente relação de amizade com ela e ganhou sua confiança. Mas acabou por promover brincadeiras sexuais com ela, chegando a masturbá-la por duas vezes. A partir daí o comportamento dela modificou-se. Se já era tímida, ficou ensimesmada. No outro ano, o rapaz ainda foi passar as férias na casa do seu meio-irmão. Mas ela nunca mais aceitou ficar perto dele. Tornou-se muito escrupulosa e cumpridora obsessiva de seus deveres. Os pais, muito ausentes, não notaram nada. Aos dezessete anos, abriu o quadro foiço que se centra, principalmente, em gatos. Não saia à rua por medo de topar com um gato. Um dia, numa sessão de análise, conseguiu trazer os elementos para a compreensão do conteúdo de sua fobia. O nome do seu tio era Carlos Tadeu e era tratado de Cat pelos familiares e, inclusive por ela. Esta é a relação que nos pode fazer entender o sintoma da garota: a fobia e o pânico com a visão de gatos. Primeiro ouve o fato traumático – o abuso sexual que a garota sofreu aos seis anos. Ouve uma reação da personalidade a este fato traumático mas, também, um enquistamento, que manteve a garota com introversão mas em condições de ir tocando a sua vida. Este equilíbrio mostrou-se instável e agora o fato traumático é reanimado pela visão de um gato, o que vai desencadear o sintoma – a fobia e o pânico.

 

                        Mas, a relação entre o trauma e a visão de um gato não é uma relação de significados. Gato não é relacionado a sua prematura incursão no sexo. A relação é de significantes. O que reanima interiormente na garota o trauma é a visão de um gato porque o rapaz era chamado de Cat (um significante de gato). O que reanima o trauma (a visão do gato) é uma relação de significantes. Um significante, diz Lacan é aquilo que está em relação com outros significantes. Se localizarmos, em nossa mente, um significante, podemos sabê-lo em conexão com um conjunto de significantes. No caso da garota, houve uma condensação de significantes, as duas percepções se superpõe e vão produzir um novo significante, chamado por Lacan de significante metafórico: o sintoma. No nosso caso, a fobia a gatos.


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