MATÉRIA E ESPÍRITO III
Pauli, com quem Jung viria trocar várias idéias, declara o seguinte: “a ciência das partículas elementares, devido à complementaridade básica das situações, enfrenta a impossibilidade de eliminar os efeitos da intervenção do observador e, deve, portanto, abandonar, em princípio, qualquer compreensão objetiva dos fenômenos físicos. Onde a física clássica ainda vê o determinismo das leis causais da natureza nós, agora, só buscamos leis estatísticas de probabilidades imediatas.” Em outras palavras, na física das partículas elementares, o observador interfere na experiência de um modo que não pode ser exatamente calculado e que, portanto, não se pode, também, eliminar.
Um cientista deverá, então, dizer: de acordo com as probabilidades estatísticas, tal fenômeno deve acontecer. Mas, é claro, que pode, estatisticamente, também não acontecer, ou acontecer o seu inverso. Estas conclusões dos cientistas quânticos levou Einstein a proferir talvez a sua mais famosa frase: “Não acredito que o Velho Jacob jogue dados”. Com o Velho Jacob, o formulador da relatividade estava se referindo a Deus.
O que a Física Quântica fez foi desiludir o Homem quanto ao conhecimento das causas íntimas das coisas materiais. Coincide com a opinião de Jung, que afirma: “-Explicar a mente consciente pelo cérebro, isto é, pela matéria, é tão lógico e tão arbitrário como explicar a matéria no interior dos átomos como emanações de um espírito criador”.
Referindo-se a influência do experimentador, vale dizer, do Homem no resultado das experiências científicas, Pauli diz o seguinte: “- Não existem razões, a priori, para rejeitar a possibilidade de que as condições psicológicas totais do observador (tanto consciente quanto inconsciente) estarem envolvidas nas experiências. Devemos, então, considerar estas possibilidades como um problema ainda inexplicado e não solucionado”.
A idéia da Física Quântica da complementaridade é igualmente aplicada por Jung na relação entre mente inconsciente e mente consciente. Cada novo conteúdo que vem do inconsciente é alterado na sua natureza básica ao ser parcialmente integrado na mente consciente do sujeito. Assim, o inconsciente só pode ser aproximadamente e indiretamente descrito. O relacionamento do consciente e do inconsciente forma um par de complementos, mas de natureza contrária. O que existe realmente no inconsciente em si não o saberemos jamais. Assim como jamais saberemos o que há na matéria em si. Quando um conteúdo passa do inconsciente para o consciente, ele é alterado qualitativamente para ser integrado á mente consciente.
Jung acentua que o inconsciente aparece como um conjunto de todos os conteúdos psíquicos no estado nascente. Nossas representações conscientes são ordenadas e organizadas a partir do inconsciente. Vejamos alguns exemplos. O matemático alemão do Século XVIII, Karl Friedrich Gauss, gênio que morreu cedo, nos mostra um exemplo desta organização inconsciente de idéias. Declarou ter descoberto as regras da sua teoria dos números – “não devido a pesquisas exaustivas, mas por assim dizer, pela graça divina. O enigma resolveu-se por ele mesmo, como um raio, sem que eu mesmo pudesse dizer ou mostrar a conexão entre o que eu sabia anteriormente, os elementos utilizados na minha última experiência e aquilo que produziu o sucesso final”.
O cientista francês Henri Poincaré tem uma descrição ainda mais direta. Diz que, numa noite insone, assistiu as suas fórmulas matemáticas praticamente vindo chocar-se contra ele, até que algumas delas conseguiram uma combinação mais estável. Era, justamente, a resposta para suas questões. O químico alemão Kekulé, que descobriu a complexa fórmula de integração dos carbonos na fórmula da substância benzeno – que é importantíssima na Química Orgânica, confessou que só chegou à fórmula, apesar de ter se esforçado ao máximo, quando numa noite sonhou com uma estrutura brilhante, solta no ar, que era exatamente a forma com que se combinam os átomos de carbono na molécula do benzeno.
São casos do trabalho do nosso inconsciente tornando a sua atividade parcialmente perceptível à consciência, mas sem perder o seu caráter peculiar. Nestes momentos, podemos nos dar conta da diferença entre estes dois registros – o inconsciente e o consciente. Mas, não é preciso ser matemático ou cientista notável. Qualquer um de nós já teve a vivência de ter a solução de um problema na vida aparecendo, nitidamente, em sua consciência quando não estava pensando naquele problema. Interrompendo o nosso pensamento mais importante e, como num flash de filme ou da televisão, irrompe claro na tela de nossa consciência, a solução. E, aí, dizemos: “- É isso mesmo. É isso que eu vou fazer”.