O AMOR MADURO

10/01/2014 11:07

                        Quando o ardor da paixão se dissolve e a brasa já possui uma camada de cinzas a recobri-la, a relação ainda é o amor? É. Com o passar do tempo, nos casais felizes, a taquicardia, o êxtase, a energia inesgotável, o pensamento intrusivo, dão lugar a um sentimento de fusão, de proximidade, de segurança e de carinho. O tesão, antes inconveniente, agora já pode esperar e se adequa  à realidade, à presença dos filhos e até da sogra. O Homem suporta duas, ou até três paixões na sua existência. Mais do que isto seria um sacrifício e um risco para sua sobrevivência.

 

                        Não podem, os amores, florescerem  sazonalmente como as plantas. O sentimento do homem é muito complexo. Há muitos fatores em jogo. Só tulipas e rosas podem se dar a este desperdício. Há uma antinomia: quanto mais estável, confortável, seguro o amor, menos frisson no encontro. Os nostálgicos desta pulsão podem procurá-la fora da relação conjugal ou tentar recuperá-la nos consultórios dos conselheiros matrimoniais, muito comuns na América. Mesmo os casais mais felizes, brigam como cão e gato. Metade dos casamentos americanos termina em divórcio.

 

                        Há um outro fator que temos, obrigatoriamente, de levar em conta. Houve uma grande revolução no papel dos sexos nos últimos cinqüenta anos, levada a efeito por causa da pílula e suas conseqüências sobre a participação da mulher na sociedade. Podendo decidir quando e quantos filhos vai ter, a mulher dividiu a sua existência completamente diferente do que fazia e hoje está inserida na vida produtiva, vale dizer, no mercado de trabalho, de maneira idêntica à do homem.

 

                        Outrora, o casal constituía a unidade básica da sociedade formada pelo marido, a esposa e os filhos. Marido e mulher, cada um tocando sua música típica na partitura posta à sua frente pela autoridade espiritual ou temporal. Socialmente, e até psicologicamente, era óbvio que um ficava incompleto sem o outro. O solteiro e, principalmente, a solteira, eram desprezados ou lastimados (coitada, ficou para titia!).

Percebido como seres incompletos. O uso de um único sobrenome para os dois ainda reflete   esta   concepção   de   um   casal   como   uma   coisa   única   que   nega as individualidades. A operação mental e social é bem mais complicada quando cada um conserva seu próprio sobrenome e, principalmente, a sua identidade. A tendência atual não está mais ligada à noção forçada de um casal, mas á união de duas pessoas que se consideram não mais as metades de uma bela unidade e sim como dois conjuntos autônomos. A aliança conjugal atual não exige, automaticamente, o sacrifício oblativo em prol do outro, ou até mesmo do casal e dos filhos.

 

                        A hipertrofia do Ego e o individualismo ostensivo que tem várias causas são incensados já na criação, pela mídia, e até pela psicanálise. Os nossos objetivos, no casamento, mudaram. Não se deseja mais pagar qualquer preço apenas para que um outro esteja presente do nosso lado, ou que desfrutemos as benesses sociais do estado civil de casado/casada.

 

                        O tempo de maternagem é consideravelmente menor, agora,  na vida diária das mulheres. Uma grande maioria continua a trabalhar quando são mães, prontas para o prodígio de compatibilizar a vida profissional com a maternidade. O tete a tete com a criança fica diminuído, é claro. Mas a creche, a escola, a televisão e a Internet substituem, em parte, a mãe de outrora. Hoje, resta a primeira e a última refeição do dia e, talvez, os deveres, algumas compras e o fim de semana. Ser mãe toma só um terço do tempo diário da mulher e conta-se com o pai para alternar a maternagem com a mãe. Na verdade, a maternidade não muda mais a vida social das mulheres. Ao menos, não mais do que outras etapas de sua vida biológica.

 

                        Aconteceram, ainda, dois fatos (não muito bem esclarecidos): a idade da primeira menstruação baixou e a menopausa atrasou. Isto contribui para a unificação das etapas da vida feminina. Uma vida sexual mais precoce e mais prolongada dá as mulheres um sentimento de uma vida ativa bem mais longa. A menopausa não modifica mais seu status. Outrora ela correspondia à idade da aposentadoria sexual. Era a idade da vovó. Hoje, não marca mais nenhuma etapa, nem profissional, nem afetiva e muito menos sexual. Dois terços das mulheres não experimentam declínio  libidinoso na menopausa, e quarenta por cento delas reclamam não ter sexo suficiente.

 

                        Hoje, muitas mães não percebem que já são avós. As intermitências do coração não são o sinal da leviandade de nossos amores. O amor pode ser incerto por necessidade de perfeição. A unidade procurada, agora, pelo casal, é muito mais exigente do que outrora. Por isso, temos muito mais a possibilidade de não conseguí-la e de fazê-la durar para sempre. Todas as complicações de uma vida a dois avançam sobre suas qualidades e fazem rachaduras na unidade e põem em jogo a sobrevivência do casal, que agora se pergunta, sem hesitação: por que continuar a dois se não se é mais um?