O AUTO-ENGANO (II)

01/11/2013 11:37

                        O “Projeto para uma Psicologia Científica”, de 1895, foi substituído nos trabalhos de Freud por uma Psicologia mentalista, isto é, Freud deixou de falar em sistema nervoso e passou a falar de Aparelho Psíquico. O Inconsciente, sua maior contribuição para a Psicologia do Século XX, foi concebido como: “um lugar da mente inaccessível à consciência mas povoado de conteúdos e de paixões e, que mesmo por trás da consciência, continua a influenciar e a infernizar nossos pensamentos, sentimentos e paixões”. Admitida a idéia do Inconsciente, o Homem não é mais o senhor absoluto de sua razão, que passa a vacilar dentro dele. O Homem freudiano só seria livre ao concordar em aceitar o desafio desta liberdade com restrições. O sujeito é livre mas não tem mais o domínio de sua interioridade. Não é mais o senhor em sua própria casa. Acredito que podemos continuar incluindo Freud no rol dos cartesianos porque, para ele, o Homem é dotado de razão e livre para compreender-se, desde que pelo exercício da introspecção ou da Psicanálise  e vencesse as suas resistências, tornando conscientes os conteúdos do seu Inconsciente (que, para sermos mais exatos, teríamos de falar em Inconsciente freudiano, já que há outras conceituações para Inconsciente).

 

                       Nas concepções recentes da Neurociência para a alma humana, o cogito não é o lugar da razão, como diz o filósofo francês Descartes. Também, a Neurociência não situa a alma em substância separada daquela que compõe o corpo (até é meta da ciência chamada Psicologia Cognitiva relacionar, sempre e necessariamente, os estados mentais a estados cerebrais). O auto-engano não seria um paradoxo, justamente porque não sendo o cogito o lugar da razão, o pensamento (parte cognitiva) não é o todo mental, é apenas uma janela onde se expressa a súmula de um processo inconsciente. A consciência é apenas um quadro de avisos (ou um monitor de um computador pessoal) que mostra o resultado de uma reunião feita a portas fechadas e de maneira silente.

                      

                        A Psicologia tem se apropriado, paulatinamente, do tema central da Metafísica tradicional: a natureza da alma ou da Psique e suas relações com o corpo. A conjunção da neurociência com a Psicologia Cognitivista acredita que o estudo da mente, forçosamente, deve nos levar a teorias e conhecimentos do tipo caixa translúcida, isto é, ao conhecimento de todos os processos de formação dos pensamentos e não só os seus aspectos psicológicos, sem referir-se ao sistema nervoso. A neurociência contradiz o conceito de livre arbítrio entendido como a possibilidade de liberdade absoluta de determinação e de escolha que estaria sob a soberania da vontade. Para a validação do livre arbítrio, o cogito (ou pensamento) teria de ser o senhor da razão e, assim, e só assim, o pensante seria livre para alcançá-la (a razão), se assim o desejasse. Mas a Neurociência afirma que o nosso pensamento (funções cognitivas) se passa por trás da parte consciente que, por sua vez, só é informada depois do fato consumado. E mais, que o nosso pensamento, como todo o funcionamento mental, está dependente de circuitos neurais, fluídos, hormônios, neurotransmissores e nutrientes como qualquer relés órgão do corpo.

 

                        Estamos diante de uma bifurcação. Será que a mente e o corpo são duas coisas diferentes ou apenas uma? São feitas de duas substâncias diferentes, como nos diz Descartes, ou de apenas uma, como indica a Neurociência? E se são duas, como é que estas substâncias interagem? É notório que só agora começamos a compreender melhor a forma de como os circuitos neurais funcionam. Será que um dia poderemos compreender como é que a atividade destes circuitos se relaciona com os processos mentais presentes na nossa consciência? Estas são questões principais que dizem respeito ao chamado problema mente-corpo. Um problema crucial para compreendermos aquilo que somos.

 

                         É até fácil aceitar porque é que a mente sempre pareceu ser um mistério inabalável. Como entidade, a mente parece ser diferente das outras coisas que conhecemos, os objetos que nos rodeiam e das partes do nosso próprio corpo, coisas que podemos ver e tocar. Há uma perspectiva sobre o problema mente-corpo conhecida como dualismo de substância que capta bem esta impressão. O corpo e suas partes são matérias físicas, enquanto a mente não o é. Quando deixamos que uma parte da nossa mente observe o funcionamento do resto dela, mas de uma maneira inocente e natural, as observações tendem a revelar por um lado à matéria física de que somos feitos e que compõem os nossos tecidos, órgãos, enfim, o corpo. Mas, também, um outro tipo de coisa que não podemos ver e tocar: os sentimentos, as percepções auditivas e visuais, os pensamentos, os devaneios e as lembranças da nossa mente. Isto nos leva a presumir que são feitos de uma outra espécie de substância – uma substância não física. O dualismo de substância é a perspectiva que Descartes nos formulou separando as duas substâncias. Ele, também, foi capaz de conceber mecanismos sofisticados para as operações do corpo. Assegurou que a mente e o corpo interagem mas nunca conseguiu explicar como esta interação poderia ter lugar. Somente afirmou que isto acontecia na glândula pineal localizada na base do cérebro.

 


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