O GENE EGOÍSTA
Temos de fazer, obrigatoriamente agora, para a compreensão da sutil teoria do Richard Dawkins, conhecida como “o gene egoísta”, uma diferença entre reprodutor e replicador. Se os organismos vivos fossem replicadores, isto é, fossem capazes de criar réplicas de si mesmo, todos os organismos seriam só egoístas. Mas, os organismos vivos não se replicam. Seus pais não se replicaram quando você nasceu, nem seus filhos são réplicas suas. Ninguém é idêntico a um dos seus pais, mesmo que possa ser bem parecido. O projeto segundo o qual você foi construído é um conjunto de plantas químicas (os genes) que foram embaralhadas, separadas aleatoriamente e postas metade num óvulo e metade num espermatozóide, e depois juntadas na fecundação. O novo organismo é muito diferente de cada um dos pais. A única coisa que tem réplica na descendência, isto é, que é realmente um replicador, é o gene, aquele que na loteria genética chegou até você e você poderá transmiti-lo aos seus descendentes. Mesmo que faça um clone de si mesmo, o clonado não será igual a você. Tudo o que foi modificado na sua vida não vai para o clone, por exemplo, um novo nariz de plástica feita na juventude, ou qualquer outra modificação corporal, sem falarmos, é claro, nas vivências e no aprendizado. Os genes, e não os corpos, se replicam e isto tem como conseqüência que são eles os egoístas e não os indivíduos e, por extensão, os indivíduos humanos não são, necessariamente, egoístas.
É claro, que imputar o sentimento ou o conjunto de sentimentos que denominamos egoísmos ou seu antônimo, o altruísmo, a uma molécula química, mesmo que imensa como o ADN, ou a uma parte dela, é uma antropomorfização (dar características humanas a uma coisa). Só o que tem sentimento é a alma e não uma mísera molécula. Falar de gene egoísta é uma metáfora que é um tropo ou uma figura de linguagem em que uma comparação é subtendida e uma coisa passa a dar um nome a outra. Dizer que fulana tem a elegância de uma gata é uma comparação, mas dizer que fulana é uma gata é uma metáfora, uma transposição de sentido. Assim, dizer como Dawkins que o gene é egoísta significa que ele age de modo que torne o mais provável possível a própria replicação. É inescapável o fato de que a seleção natura beneficia só o bom replicador. Assim, os genes vão reproduzir na descendência, as tendências emocionais instintivas (vale dizer, pré-programadas) que fizeram o portador deles vitorioso na concorrência pela sobrevivência e na reprodução. Tanto que os portadores atingiram a possibilidade de reproduzir e o fizeram.
Aqui há, também, um fato sutil. Os genes que estão nos órgãos reprodutores de um indivíduo não são as únicas cópias remanescentes dos seus ascendentes. O mesmo gene pode estar em vários outros indivíduos, um gene pode, então, trabalhar para replicar cópias de si mesmo que estejam em um outro indivíduo. Olhando do ponto de vista do gene, uma cópia é uma cópia, e não importa de onde venha.
E quando que uma cópia de um gene que existe em um indivíduo, também existe dentro de um outro? Quando estes indivíduos são aparentados. Em todo indivíduo existe uma chance em duas de que qualquer gene existente num dos pais tenha uma cópia na prole. Também existe uma chance em dois de que exista uma cópia em um irmão germano. Uma em oito de que uma cópia exista também em um primo irmão, e assim por diante.
Denomina-se altruísmo o comportamento de um indivíduo para beneficiar outro indivíduo até em detrimento de si mesmo. Mas, o altruísmo pode se desenvolver porque o altruísta é aparentado com o beneficiário (o gene causador do altruísmo também beneficia a si mesmo). Mas, não precisamos nos ater a esta terminologia tão concreta da Biologia. Podemos, também, examinar do ponto de vista da Psicologia e no caso de nós, os humanos, de sua subjetividade consciente. Quando vemos a pessoa humana, ou mesmo um animal, quando ele se comporta de maneira altruísta, podemos dar outro nome a este fenômeno: amor, sentimento de amor. A essência do amor é sentir prazer com o bem-estar do outro e sofrer quando o outro é prejudicado. Estes sentimentos motivam os atos que vão beneficiar o ser amado. Podemos compreender, assim, como muitos animais, inclusive os humanos, amam seus filhos, pais, avós, netos, irmãos, tias, sobrinhas e primos. Aliás, os sacrifícios feitos por amor são modulados segundo o grau de parentesco. As pessoas fazem todos os sacrifícios pelos filhos, porém já fazem menos pelos sobrinhos... As pessoas amam seus avós porque os avós as amam e também amam o resto da família e são capazes de fazer sacrifícios por ela. Gostamos de ajudar as pessoas que amam e que são capazes de ajudar a nossos parentes. É por isso que também nascemos com a possibilidade de nos apaixonarmos e desfrutarmos o amor erótico, o mais vibrante dos sentimentos. A mãe de meu filho, geneticamente, tem tanto em jogo quanto eu e é por isso que o que é bom para ela é bom para mim também.
O mau entendimento da teoria do gene egoísta faz as pessoas afirmarem que os animais tentam propagar seus genes. As pessoas na verdade amam seus filhos não porque querem propagar seus genes mas porque isto lhes é afetivamente inevitável e faz, por exemplo, que uma mãe doe um rim para o seu filho e ache este comportamento o único possível.