O INSTINTO DE MORTE
Em 1920, Freud introduziu no meio científico o conceito de Instinto de Morte para explicar, entre outras coisas, porque os indivíduos que sofrem um poderoso trauma se fixam neles, relembram o acontecido sem cessar e até sonham, repetidamente, com as cenas que o traumatizaram. Do Instinto de Morte surgiriam todos os aspectos destrutivos do Homem. As vezes, só admitindo que os humanos tenham uma fascinação pela morte (tanatofilia) podemos compreender muitos comportamentos de certas criaturas. Um fato recente, que chocou a todos nós, aí se enquadra: o pedreiro Adimar Jesus da Silva matou a pauladas seis adolescentes após ter abusado sexualmente deles. Por mais estranha que possa ser a cabeça do Adimar para nós, o fato não é único, longe disso, a mídia volta e meia nos brinda com casos semelhantes e até mais violentos.
Não é difícil encontrarmos, em diversos graus, um desejo latente, ou manifesto pela Morte em indivíduos neuróticos, depressivos, psicóticos e, sobretudo, nos perversos e psicopatas. A hipótese de Freud que o Homem tem, instintivamente em sua psique uma obsessão de repetição proveniente do instinto de morte, fica robustecida com a descrição do que aconteceu na Escola Primária Cleveland em Stockcon, Califórnia.
No dia 17 de fevereiro, na hora do recreio, o ex-aluno Patrick Purdy entrou no pátio e disparou rajadas e mais rajadas de balas 7,2 mm. de uma arma automática sobre centenas de crianças que ali brincavam. Durante sete minutos Purdy atirou nelas e nos funcionários que também ali estavam, depois sacou uma outra arma, uma pistola, e suicidou-se. Deixou o saldo de cinco crianças mortas e vinte e nove gravemente feridas.
O psicológo Daniel Goleman, que visitou a escola cinco meses depois da tragédia, descreve um jogo que apareceu espontaneamente nas brincadeiras dos meninos e meninas e que revela um dos muitos sinais que aqueles sete minutos ficaram marcados para sempre nas cabeças das crianças. Muitas pediram a seus pais que lhes comprassem miniaturas das metralhadoras AK.47 para participarem do Purdy – o nome do assassino e da brincadeira. Nela, o vilão usa esta metralhadora para massacrar um grupo de crianças e depois dispara contra si mesmo. Uma repetição daquilo que aconteceu. Há uma uma variante, às vezes são elas que o matam no final. Um fato tão traumatizante mas repetido assiduamente de maneira muito semelhante pelas crianças que viveram o drama. Elas deviam era querer esquecer mas não, a repetem meses e meses depois o acontecido.
Não foi só a brincadeira Purdy que ficou de lembrança na escola. Todos exibiram sintomas de neurose traumática ou, como se diz agora, estresse pós-traumático. Conta o psicólogo Goleman que durante sua estada lá uma menina correu apavorada até a sala da diretora gritando –“Tiroteio, tiroteio, estou ouvindo tiros!” Na verdade, era uma corrente de ferro que, por causa do vento, batia num poste para jogos num poste no pátio de esportes.
Quase cem anos após o trabalho de Freud não falamos mais de neurose de guerra ou traumática, Instinto de Morte é um conceito evitado ou usado cautelosamente pelos psicanalistas. Vamos ver, agora, os aportes trazidos pela Neurociência e conhecimentos afins para explicar os sintomas subseqüentes aos traumas. Estes momentos vividos de terror tornam-se lembranças impressas nos circuitos emocionais e os sintomas são na verdade sinais de uma amídala super estimulada que não para de enviar as lembranças do fato traumático para a consciência. Para entendermos bem os fatos é preciso recordar o que é circuito emocional e o que é e qual é a importância das amídalas cerebrais. O entendimento disso e o que é uma emoção é fundamental para compreendermos como funciona a mente de cada um de nós, não só nos traumas, mas também nos pequenos estresses do cotidiano.
Mas antes, vamos nos perguntar porque Freud, um dos marcos intelectuais do Século XX, procurou uma explicação tão vaga e discutível para os sintomas traumáticos e, também, para a tendência a repetir os acontecimentos nefastos que vemos em muitas pessoas que parecem sofrer de uma influência demoníaca regendo suas vidas, ou que estão sendo perseguidas por um destino inexorável de tanto que repetem suas desditas de modo idêntico.
Segundo Ernest Jones, o biógrafo que conviveu com Freud (era também psicanalista) havia diversos homens que Freud admirava fervorosamente e cujo patamar intelectual se julgava incapaz de alcançar. Neste grupo estava Goethe, Kant, Voltaire, Darwin, Schopenhauer e Nietzche. Freud chegou a reconhecer, explicitamente, que Schopenhauer e Nietzche haviam descrito e antecipado com exatidão a sua Teoria do Recalque. No meio da sua argumentação para validar o Instinto de Morte, Freud diz o seguinte: -“O que desde logo não podemos ocultarnos é que temos chegado inesperadamente ao “porto da filosofia” de Schopenhauer, pensador para o qual a morte é o verdadeiro resultado e, portanto, o objeto da vida e, em contrapartida, o instinto sexual é a encarnação da vontade de viver.” Aqui, é evidente que Freud se refere ao Eros versus Tanatos.