O LAR E A PERSONALIDADE DOS FILHOS
A idéia de que os pais moldam a personalidade dos filhos é tão arraigada, que a maioria das pessoas nem sequer percebe que ela é uma hipótese que precisa de comprovação, e não uma verdade manifesta. Esta hipótese foi testada e o resultado é um dos mais surpreendentes da história da Psicologia. E, mesmo assim, os resultados são negligenciados, ou desconhecidos até por profissionais da área.
As personalidades diferem, basicamente, de cinco modos. Uma pessoa pode ser sociável, ou retraída. Este traço no jargão psicológico é conhecido como extroversão - introversão. O segundo modo é se a pessoa é angustiada, preocupada, tensa, ou calma e satisfeita consigo mesma (neuroticismo – estabilidade). A pessoa pode ser, também, amável, cortês e confiada nos outros, ou ser rude e desconfiada (concordância – antagonismo). O quarto traço distingue as pessoas diligentes e aplicadas, das descuidadas (consciência – desnorteamento). Finalmente, se é ousada, gosta de aventuras e novidades, ou é conservadora (flexibilidade – inflexibilidade).
De onde vem estas características encontradas em todas as pessoas? Se elas são genéticas, gêmeos idênticos deveriam compartilhá-las mesmo se fossem criados separados ao nascer. E, também, os irmãos biológicos deveriam compartilhá-las em maior grau que os irmãos adotivos. Mas, se os traços de personalidade são produtos da criação pelos pais, os irmãos adotivos deveriam compartilhá-los e os gêmeos, irmãos biológicos, deveriam compartilhá-los em maior grau quando crescessem no mesmo lar do que quando crescessem em lares diferentes.
Dezenas de estudos testaram estes tipos de previsões em milhares de pessoas e em vários países. Os estudos examinaram não apenas estes traços de personalidade, mas também conseqüências deles na vida real, como divórcios, alcoolismo, adição à droga, etc. Os resultados são claros, sempre reproduzidos e contem duas surpresas. Uma delas é bem conhecida. Boa parte da variação na personalidade (cinqüenta por cento) tem causas genéticas. Gêmeos idênticos, separados ao nascer, são muito parecidos. Irmãos biológicos criados juntos são muito mais parecidos do que irmãos adotivos. Isto significa que os outros cinqüenta por cento provém da criação do lar e dos pais? Certo? Errado. Ser criado em um lar e não em outro responde, no máximo, por cinco por cento das diferenças de personalidade entre pessoas. Gêmeos idênticos, separados ao nascer, não são apenas semelhantes. Eles são, praticamente, tão semelhantes quanto gêmeos idênticos criados juntos no mesmo lar. Irmãos adotivos no lar não são apenas diferentes. Eles são tão diferentes quanto duas crianças escolhidas aleatoriamente na população. Os filhos adotivos se parecem, na personalidade, mais com os pais biológicos do que com os adotivos.
É preciso frisar que os resultados destas pesquisas não estão menosprezando a imensa doação necessária à criação dos filhos e a necessidade de esforçar-se para desenvolver nos filhos as suas capacidades e potenciais, o que todos os pais normais fazem por instinto e que afetam a todas as crianças e sem o que elas até morrem. Os lactentes morrem se não forem cuidados com amor. Se recomenda, até, que uma mesma enfermeira, e não a plantonista, cuide do bebê para que eles não adoeçam quando a mãe está impossibilitada após o parto. O que os estudos implicam é que as crianças se transformariam nos mesmos tipos de adultos se você os deixassem em seus lares e no mesmo meio social (amigos, colégios, associações, clubes, etc.) mas trocasse todos os pais.
Os outros quarenta e cinco por cento são um mistério, mas há pistas. Talvez, a personalidade seja moldada por experiências únicas na vida da pessoa que podem ser impostas a um cérebro em crescimento ainda no útero, ou por eventos críticos únicos (psicológicos na vida de um indivíduo). Os outros fatores que provavelmente influenciam a formação da personalidade são os planos de batalha da criança para a competição com os seus irmãos e as estratégias delas para competir e se defender em seus grupos de iguais. Há evidências que em todos os lugares as crianças são socializadas por seus grupos de iguais. A personalidade também é moldada por predicados ou insuficiências da criança. Ser inteligente, bonito ou simpático é um fator que dá muita segurança a uma pessoa e a faz bem diferente se fosse feia, burra ou antipática. As pessoas muito bonitas têm traços de personalidade semelhantes. Nos filmes “De volta para o futuro”, há um personagem grandalhão, fortíssimo e que tem, é claro, uma personalidade dominadora. Quem viu os três filmes sabe que a personalidade deste grandalhão varia conforme as circunstâncias do seu desenvolvimento. O primeiro filho, isto é, o primogênito, que já nasce com várias vantagens, tende a ser mais conservador do que os outros irmãos. Isto está comprovado pelas pesquisas. Mas, a descoberta que os filhos criados na mesma família não são mais semelhantes do que se tivessem sido criados em países diferentes demonstra como é reduzida nossa compreensão sobre o desenvolvimento da personalidade.