O LIVRE ARBÍTRIO
No fim do Século XIX, o Positivismo nasceu para desafiar o Espiritualismo. O fundador do movimento espiritualista Victor Cousin pretendia combater o materialismo que, segundo ele, provocara desastrosas conseqüências sociais e políticas durante a revolução francesa. O Espiritualismo implica a aceitação de dois princípios necessários: primeiro, a existência do livre arbítrio e segundo, de padrões bem definidos para o que fosse o bem e o mal. O ponto central do Espiritualismo era que cada indivíduo possuía um self uno e indivisível. Assim, cada corpo seria habitado por uma alma e só uma alma. O fim do Século XIX trouxe intensa ebulição intelectual. Era a época da histeria, do hipnotismo e várias novidades teóricas. Em 1876, foi publicado o caso de uma mulher que apresentava vida dupla. Era uma mulher muito trabalhadora, sisuda, ensimesmada e taciturna que vivia se queixando de dores pelo corpo. Mas, diariamente, depois de fortes dores nas têmporas, se seguia uma certa madorna. Depois de alguns minutos despertava lépida e fagueira, falante e de bem com a vida. E mais, sem quaisquer daqueles sintomas dos quais vivia reclamando. Este estado de paz e amor durava apenas poucas horas. Depois, após uma outra letargia, voltava ao estado anterior de mala sem alça. O interessante é que ao voltar ao estado natural, não se recordava de nada do que se passava nas horas em que esteve livre dos achaques. Por causa da diferença entre os dois estados de consciência da mulher e de sua incapacidade de reconhecer e de se lembrar do seu outro estado de consciência, isto começou a ser aceito pelos estudiosos como sendo um segundo self ou personalidade. A ocorrência espontânea de uma segunda personalidade, se for aceita, representa uma derrubada no conceito de self unitário. Justamente o núcleo da filosofia do Espiritualismo. Aliás, este foi o principal argumento usado pelos psicólogos positivistas para combater o dogmatismo espiritualista que exigia um self unitário e responsável pela conduta da criatura e que é fundamental, também, para a idéia de moralidade no Espiritualismo. O método da introspecção que permitiria ao sujeito conhecer-se totalmente e que seria usado para distinguir entre o Bem e o Mal não faz sentido sem um self unitário que observasse e pudesse ser observado pelo sujeito. Se o self for duplo nada disto faz sentido.