O PROBLEMA FUNDAMENTAL DA PSICOLOGIA

10/01/2014 10:57

                        Freud trata, de maneira idêntica, os problemas e conflitos gerais da humanidade e as neuroses individuais. O indivíduo recalca o fato traumático, ou o impulso censurado pelo resto da personalidade, como defesa do Eu. Mas, este recalcamento, ou repressão, é instável e o complexo recalcado nas neuroses, ressurge tempos depois modificados como sintoma neurótico. O exemplo clássico vem da histeria. Um desejo de felação incestuoso infantil recalcado, pode aparecer, anos depois, como um espasmo da musculatura da faringe que impede a histérica de deglutir.

 

                        Os eventos traumáticos do início de nossa espécie como humanos – as rebeliões contra o pai despótico que terminava em parricídio e liberdades até então proibidas com as mulheres do bando, foram recalcados pela humanidade mas reproduzem-se de maneira deformada ao longo da história. Segundo Freud, os deuses representam, para o inconsciente, uma nova edição da figura paterna primitiva. Na base de toda religião existe a necessidade de acalmar o sentimento de culpa e aplacar a ira de um substituto paterno implícito na imagem de Deus, com características de superego e, frente a qual, se experimenta uma forte ambivalência: amor e temor.

 

                        Há duas maneiras principais de tentar obter uma reconciliação com  o pai, que deram origem aos dois tipos básicos de religião. Poder-se-iam chamar de a religião do pai e a religião do filho. O modelo da primeira é o monoteísmo judaico e a segunda é o cristianismo, no qual surge o intermediário entre Deus e a humanidade. É o filho de Deus. Este assume a culpa trágica da humanidade e toma sobre si os pecados dos homens, oferecendo-se em sacrifício como bode expiatório ao Deus Pai. Freud afirma que os cristãos, ao aceitarem a doutrina do pecado original intuída por Paulo e, ao se identificarem com o cristo crucificado, implicitamente admitem a culpa arcaica do parricídio e realizam a expiação através do sacrifício de Cristo que teria livrado o Homem desta culpa.

 

                        Vamos ver, agora, o que Jung considera o problema fundamental da Psicologia Contemporânea. Enquanto na Idade Média,  na  Antiguidade   Clássica e mesmo na humanidade inteira desde os seus primórdios acreditava-se na existência de uma alma, a segunda metade do Século XIX viu surgir uma Psicologia sem alma. Esta Psicologia chegou ao máximo na última década do Século XX, denominada como década do cérebro. Todos nós fomos nos acostumando, levados pela mídia, com as descobertas da neurociência e, quase sem meditar, passamos a correlacionar tristeza com serotonina, prazer com endorfina e dopamina, ou emoção com sistema límbico.

 

                        Sob a influência do materialismo científico, tudo o que não podia ser visto com os olhos, nem apalpado com as mãos, foi posto em dúvida ou diminuído de importância, porque era suspeito de metafísica. Só era considerado científico, após a segunda metade do Século XIX e, por conseguinte, aceito como verdadeiro, o que era reconhecidamente material ou que podia ser deduzido a partir de causas acessíveis aos sentidos. Esta mudança não começou com o materialismo científico, mas foi preparada desde longa data. Após a Reforma, a consciência moderna interferiu na linha vertical do espírito europeu que vinha prevalecendo desde a Idade Gótica. A consciência deixou, desde aí, de se desenvolver verticalmente (espiritualmente) e ampliou-se horizontalmente, tanto do ponto de vista geográfico como filosófico. A crença na substancialidade da alma foi substituída, pouco a pouco, pela convicção cada vez mais intransigente na substancialidade do mundo material. Seria injusto atribuir à filosofia ou às ciências a responsabilidade por esta reviravolta total. Sempre houve um número considerável de filósofos e homens de ciência que não assistiram, sem protestar, a esta inversão dos pontos de vista.

 

                        Para Jung esta mudança tão radical não é fruto somente de reflexões racionais porque não há especulação racional capaz de provar, ou de negar, tanto o espírito quanto a matéria. Estes dois conceitos são para o mestre suíço, nada mais que símbolos usados para expressar fatores desconhecidos, cuja existência é postulada, ou negada, ao sabor do temperamento individual ou da moda da época. Nada impede a especulação intelectual de ver na psique um fenômeno bioquímico complexo, reduzindo-a, em última análise, a um jogo químico-físico de partículas atômicas. Mas, justo o contrário, podemos declarar que a ausência de regras e a incerteza constatada pela mecânica quântica, que impera no íntimo da matéria, é um fenômeno espiritual.

 

                        O fato da metafísica do espírito ter sido suplantada no curso do Século XIX por uma metafísica da matéria é, intelectualmente falando, uma mera prestidigitação. Mas, do ponto de vista psicológico, é uma revolução inédita na visão do mundo. Se tudo o que é mundano se converte em realidade imediata o fundamento das coisas, a fixação de qualquer objetivo existencial, e mesmo o significado final das coisas, tende a ser modificado. A existência é redirecionada.

 

                        Esta tendência moderna age da mesma forma como agiu no passado. Lá  era pressuposto e inquestionável que tudo o que existia devia sua existência à vontade criadora de um Deus espiritual. Também o Século XIX descobriu uma “verdade inquestionável”, que tudo provém de causas materiais.

 


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