OS CONTOS DE FADA

10/01/2014 10:38

                        Os contos de fada, claramente, não se referem ao mundo exterior, embora possam começar de forma bastante realista e entrelaçados de fatos do cotidiano. A natureza irrealista destes contos (que podem receber a objeção de pais realistas ou pragmatas) é o que torna óbvio que o cerne do conto de fada não é fornecer uma informação útil ou prática sobre o mundo exterior, mas sobre os processos interiores que ocorrem evolutivamente, principalmente quando somos crianças, onde estas mudanças são cruciais.

 

                        Na maioria das culturas, não existe uma linha clara separando o mito do conto folclórico, ou de fadas. Todos eles formam a protoliteratura nas sociedades pré-literatas. A língua nórdica tem uma só palavra para ambos: saga. O alemão mantém a palavra sage para os mitos, enquanto que as histórias de fadas são ditas märchen. Infelizmente, tanto no inglês, como no francês, como no nosso português se enfatiza o papel das fadas. Mas, na maioria deles, as fadas não aparecem. O mito até pode conter um conflito interior, mas apresenta sua história de forma majestosa – é para adultos. O divino está sempre presente e é vivenciado na forma de heróis sobre-humanos. Por mais que nós mortais tentemos imitá-los em suas sagas, vamos ser sempre, obviamente, inferiores.

 

                        O conto de fadas, por seu lado, é apresentado de modo simples, caseiro, não fazendo solicitações de heroísmo ao ouvinte. Isto evita que a criança vá tentar atuar de um modo inadequado e nunca a leva a se sentir inferior. Não é o fato de a virtude vencer no final que promove a moralidade nestes contos. Mas o fato de o herói ser mais atraente naturalmente para a criança, o que promove a identificação dela com o herói em todas as suas lutas. Devido a esta identificação, a criança empatiza como sofrimento, com as provações e tribulações, mas triunfa também com o herói, quando a virtude sai vitoriosa. A criança faz tais identificações por conta própria e as lutas externas e as internas do herói é que acabam imprimindo preceitos morais nas crianças sem necessidade de qualquer discurso moralista o que, aliás, nunca surte qualquer efeito significativo. Vamos tomar, para esclarecer estes pontos, um conto bem curto tirado das “Noites Árabes” que é mais conhecido como “Mil e uma noites”.

 

                        Um pobre pescador lança sua rede quatro vezes ao mar. Na primeira, ele captura um asno morto. Na segunda, um cântaro cheio de areia e lama. O terceiro esforço ainda lhe oferece menos: potes e vidros quebrados. Mesmo assim, ele ainda joga a rede uma quarta vez e aí, enfim, algo valioso: um jarro de cobre. Quando abre, emerge uma enorme nuvem que se materializa num gigante – um gênio, que quer matá-lo, apesar de todas as súplicas do pescador. Aí, o pescador, usando astúcia, duvida em voz alta que um enorme gênio daquele, mesmo tão poderoso, possa caber numa vasilha tão pequena. O gênio, vaidoso, cai na armadilha e entre no jarro para mostrar ao pescador que tudo pode. Este, tampa o jarro, então, e joga-o de novo ao mar.

 

                        O que enriquece este conto é o relato de como o gênio da garrafa se tornou tão cruel a ponto de querer matar a pessoa que o libertou. De acordo com o senso comum, quanto mais durar um aprisionamento, tanto mais grato o aprisionado ficará com a pessoa que o libertar. Mas vejamos como este conto descreve o que se passa na cabeça do gênio. – “Enquanto fiquei aprisionado nos primeiros cem anos, eu disse, de coração: aquele que me libertar, eu o enriquecerei para sempre. Mas passou-se todo um século e quando ninguém me libertou, eu entrei pelo segundo cem anos dizendo: aquele que me soltar, eu abrirei os tesouros ocultos da terra. Ainda assim, ninguém me libertou. E passaram-se trezentos anos. Então, eu disse: aquele que me libertar, satisfarei três desejos. E passaram-se quatrocentos anos. Em conseqüência encerrei-me em cólera e, com excessiva ira, disse para mim mesmo: aquele que me soltar, eu matarei.”

 

                        Uma criança vai se identificar de imediato aqui. Ela já experimentou algumas vezes um complexo sentimento quando seus pais, ou protetores, a deixaram sozinha ou a excluíram de um programa. Primeiro, como o engarrafado, vai pensar consigo mesma: como ficará feliz quando sua mãe voltar, ou quando for mandada para o seu quarto, como ficará contente quando receber permissão para sair novamente. Também vai pensar como vai recompensar sua mãe. Mas o tempo passa e a criança não tem a noção de tempo já desenvolvida e ele não passa na mesma velocidade que passa para o adulto. A criança torna-se cada vez mais zangada e, na fantasia, vai compor a vingança que fará com os que a isolaram. O fato de que poderá ficar muito feliz quando for suspenso o seu isolamento, não muda a oscilação de como seus desejos se movem da recompensa à punição para os adultos que lhe impuseram o seu sofrimento. Por conseguinte, o modo como os pensamentos do gênio se desenvolvem dão total veracidade psicológica à história para uma criança que certamente já viveu situação semelhante.

 

                        As crianças pequenas, até os quatro ou cinco anos, ainda não desenvolveram a capacidade para compreender a mente humana. Só mais tarde a nossa mente vai ser capaz de explicar o comportamento das pessoas e aí se inclui o próprio comportamento, sendo causado por nossas crenças, nossos sentimentos e nossos desejos. A criança não pensa: quando mamãe voltar, ficarei feliz. O pensamento dela é mais concreto. Algo assim: quando mamãe voltar, darei algumas coisas para ela.


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