OS MEDOS
Vamos ver uma emoção muito útil para a sobrevivência de nossa espécie, mas que inferniza a existência da criatura: o medo. Os estudos feitos com universitários americanos mostram que cobras e aranhas são as coisas que mais comumente provocam medo e asco neles. Sem dúvida, isto é extensível à população em geral e deve ter sido assim já há muito tempo na nossa espécie. É muito difícil conhecer alguém que tenha uma reação diferente. Até quando aparece uma cobra ou uma aranha na televisão, a gente sente um friozinho na barriga. Os chipanzés criados em cativeiro gritam aterrorizados quando vêm uma cobra pela primeira vez. Os sagüis de laboratório de pesquisa dão berros de alarme ao verem um pedaço de mangueira plástica no chão. Todos os povos caçador-coletores ainda existentes mantém uma ojeriza às cobras. Na Bíblia, ao expulsar o casal transgressor do Éden, Jeová Deus, dirigindo-se à serpente disse: “-Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que toda a besta e mais que todos os animais do campo. Sobre o teu ventre andarás e pó comerás todos os dias da tua vida e porei inimizade entre ti e a Mulher...”
Os outros medos comuns ao Homem são: de altura, tempestades, grandes carnívoros, escuridão, sangue, estranhos, confinamento, águas profundas, escrutínio social e sair de casa sozinho. Acho que podemos seguir a linha comum destes medos básicos. São situações que puseram em perigo os homens primitivos. Aranhas e cobras são venenosas e, em especial, na África. Os outros medos são até óbvios para a sobrevivência dos nômades. O escrutínio social é fundamental para o status dentro do grupo que pode, por segregação, condenar o indivíduo à morte numa sociedade primitiva. É mais correto falarmos de medos porque as pessoas reagem de maneira diferente a coisas diferentes que os atemorizam. Um animal agressivo desencadeia o ímpeto de fugir; um precipício faz a pessoa ficar petrificada; as ameaças sociais conduzem à timidez e desencadeiam gestos de apaziguamento. Há pessoas que realmente desmaiam ao ver sangue porque a pressão arterial cai abruptamente. Se a perda de sangue for no próprio é uma reação emocional muito útil porque vai minimizar a perda de seu sangue. Mas, por extensão, o sujeito pode desmaiar pela perda de sangue do outro também.
A evidência de que os nossos medos são adaptações e não erros é que os animais que evoluíram em ilhas sem predadores naturais, perdem o medo e são presas fáceis de qualquer invasor. E o que significam os medos atuais dos habitantes das cidades? Eles, muitas vezes, estão nos protegendo de perigos que não mais existem e, pela falta, deixam de nos proteger dos perigos mais efetivos no mundo que nos cerca. Segundo as estatísticas americanas, deveríamos ter medo, pelo perigo que representam, de ter armas de fogo em casa, dirigir em alta velocidade, não usar cinto de segurança, de usar secador de cabelo dentro de uma banheira cheia d’água, etc. As crianças deveriam ter medo de brincar com fósforo ou de correr atrás de uma bola até a rua. Mas se você perguntar, numa escola americana, o de que os alunos têm medo, respondem: leões, tigres, cobras, lagartos e aranhas, perigos improváveis nas cidades modernas.
É claro que os medos mudam no indivíduo com a própria experiência. Mas, por décadas, os psicólogos pensaram que a gente aprendia nossos novos medos, da mesma maneira que os cães de Pavlov aprendiam a salivar quando ouviam a campainha que já anunciara carne. John Watson, o fundador do behaviorismo, numa experiência até pouco ética, chegou por trás de um menino de onze meses que brincava com um rato branco de estimação e bateu com dois pedaços de ferro produzindo um estrondo. Repetindo isto várias vezes, induziu no menino medo de rato. Mas, também, de outras coisas brancas e peludas, inclusive coelhos, cães, um casaco de pele de foca branca e até da figura Papai Noel. Sabemos, agora, que as pessoas não podem ser condicionadas a temer simplesmente qualquer coisa. As crianças ficam nervosas na presença de ratos, muito antes de qualquer condicionamento e, facilmente, os associam ao perigo. Se você trocar o rato branco da experiência de Watson por um objeto arbitrário, por exemplo, um binóculo, as crianças nunca irão temê-lo. Os medos só podem ser condicionados nas criaturas se elas já estiverem preparadas para fazer a associação. Poucas fobias humanas, ou talvez nenhuma, devem-se a objetos neutros que foram associados a algum trauma. Inversamente, há que tenha medo de cobra sem jamais ter visto uma. Após algum evento assustador, a pessoa torna-se mais prudente em relação à causa, mas não a temem. Não existem fobias de tomadas elétricas, martelos, carros, etc. No entanto, é clichê da mídia, o sobrevivente de um evento traumático, guerras, etc., tendo faniquito toda vez que se deparam com algo que lhes recorda o evento.
Os medos se desenvolvem espontaneamente nas crianças no seu primeiro ano de vida. Os bebês temem os estranhos e a separação. Isto é naturalmente bom e sempre foi útil e, é uma boa resposta para a pergunta: - Por que o bebê deixado sozinho num quarto escuro berra desesperado? Já entre os três e cinco anos, as crianças passam a sentir medo de todos os objetos fóbicos clássicos (aranhas, etc.), mas depois os dominam um a um. Assim, a maioria das fobias em adultos são medos infantis que não foram superados e é por isso que os habitantes da cidade são os que mais temem cobras, aranhas, etc.