SOMOS TODOS PSICÓLOGOS?

01/11/2013 11:31

                        Somos, os seres humanos, bons, generosos e altruístas somente com os nossos parentes? A hipótese muito bem elaborada do Dawkins em “O gene egoísta”, explica porque somos generosos com os nossos aparentados e familiares mas, como se verifica com facilidade, não somos bons apenas com estes. Já o egoísmo do Homem é até fácil de explicar: ele é necessário à sobrevivência do ser. Os organismos só deixam de lutar pela própria vida, ou não utilizam todos os recursos disponíveis para melhorá-la, quando estão doentes.

 

                        Penso como Espinosa que disse há trezentos e cinqüenta anos que “os organismos tendem, natural e necessariamente, a perseverar no próprio ser e esta tendência necessária constitui a essência destes seres.” Os organismos vivos nascem com a capacidade de regular sua vida e sobreviver. Para Espinosa, a maior perfeição das funções da vida é sinônimo de alegria (letícia, em latim). A primeira realidade de nossa existência é o esforço implacável da autopreservação presente em qualquer ser. Espinosa chama este impulso com a palavra latina conatus (nascido com o indivíduo) que, a meu ver, tem o mesmo significado do Eros – instinto de vida de Freud. Uma frase de Espinosa sintetiza bem o seu pensamento: “cada coisa, na medida do seu poder, esforça-se por perseverar no seu ser.” Assim, lutamos pela nossa vida e pelo nosso espaço. Não fazê-lo é antinatural e doença. A hipótese de Freud de um instinto de morte, ou Tanatos, coexistindo com Eros foi, provavelmente, seu maior erro e está em nítida contradição com Espinosa. A compulsão de repetição que aparece nas situações traumáticas e que faz as cenas violentas surgirem repetidamente até nos sonhos e não sair da cabeça do traumatizado, sabemos hoje, se deve a uma modificação da regulagem das Amigdalas Cerebrais depois de uma vivência traumática. Aquilo que foi feito para deixar as pessoas atentas a uma situação semelhante no futuro que traga perigo, foi desregulada pelo trauma e passa a reverberar na cabeça do sujeito. Todo mundo que já viveu o fato semelhante sabe disso. Freud, a partir deste fato, achou que a compulsão de repetição que ele viu também seguidamente nos neuróticos (sob tratamento com ele) que não aprendiam com a experiência e se metiam nas mesmas situações e encrencas semelhantes seguidamente,   constituía   uma     característica    básica   da   vida   mental  e,  numa abstração filosófica, que derivasse de uma disposição para voltar a um estado anterior e inorgânico, ou  morte e aí postulou o instinto de morte coexistindo com o instinto de vida.

 

                        Mas, os humanos, obviamente uma espécie muito inteligente, exibimos uma característica incomum entre todos os seres viventes: nós ajudamos, e muito, a nossos semelhantes não aparentados. Nosso estilo de vida gregário e nossa mente são, de modo particular, inclinados ao altruísmo recíproco. Nós nascemos com a mente equipada não só para o altruísmo com os aparentados como vimos na aula passada, mas também para o altruísmo com os semelhantes. O equipamento mental mínimo exigido para uma vida gregária (viver em grei, ou bandos) exige duas coisas para isto dar certo: um detector de trapaceiros e a estratégia de Talião, olho por olho, dente por dente, favor por favor. Assim, a ajuda adicional é negada a um trapaceiro e até a um mal-agradecido. Um trapaceiro típico é aquele que se recusa, absolutamente, a retribuir, ou retribui com tão pouco que o altruísta recebe de volta bem menos que o custo do seu favor inicial.

 

                        Outro fato marcante é que as pessoas, em geral, raciocinam extraordinariamente bem sobre trapaças e trapaceiros (isto foi já determinado em pesquisas científicas). Nós somos todos muito bons psicólogos práticos. A mente adulta está sempre analisando as outras mentes ao seu redor, e procurando explicar e entender o comportamento das outras pessoas segundo seus desejos e suas crenças. Nós não podemos ler diretamente a mente dos outros – os pensamentos e os sentimentos são fenômenos de primeira pessoa – mas nós fazemos boas suposições com base no que as pessoas falam, no que lemos nas entrelinhas, no que mostram no corpo, na voz e, principalmente, no olho, talvez a melhor janela para a alma. O entendimento que temos das outras mentes é, provavelmente, o talento mais sutil e admirável da nossa espécie! Pense que você é capaz de, num milésimo de segundo, tomar conhecimento das intenções de um sujeito que está tentando, de todas as maneiras, escondê-las.  As habilidades que fundamentam a leitura da mente do outro são exercidas desde o berço. Bebês de dois meses já nos fitam nos olhos. Os de seis sabem quando os olhos de uma pessoa os estão fitando. Os de um ano olham para o que a mãe está fitando e perscrutam os olhos da mãe quando não têm certeza do motivo pelo qual ela está fazendo alguma coisa. Entre os dezoito e vinte e quatro meses, as crianças começam a separar o conteúdo da mente de outras pessoas das suas próprias crenças. Exibem esta habilidade em um fato enganosamente simples: o fingir. Quando uma criança de dois anos entra na brincadeira da mãe que lhe dá uma escova de cabelo e diz que é um telefone para falar com o papai, ela está entendendo os dois fingimentos, o da mãe e o dela e separando isto da crença própria que escova de cabelo não é telefone. A mãe já pode brincar à vontade pois a criança já sabe ler o fingimento bem intencionado dela e o separa da realidade. Aos dois anos já usam o verbo ver e querer. Aos três falam: pensar, saber e lembrar, o que denota compreensão das características subjetivas de uma mente. Aos três anos já sabem que se alguém está olhando alguma coisa, geralmente quer aquilo que está olhando e já entendem o conceito de idéia.


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